O documentário Brasileiríssima reforça o impacto social da telenovela brasileira.
Não se trata de um registro da evolução histórica das novelas, embora esse recorte surja nos primeiros quinze minutos, na voz de veteranos técnicos, autores e produtores. Mas, a partir daí, o documentário surpreende ao quebrar uma possível organização cronológica para colocar na tela uma pessoa comum. É uma telespectadora do interior do Nordeste brasileiro que revela como esse veículo foi essencial em sua experiência pessoal. Nesse caso, ela conta como a novela “Pai Herói”, de 1979, despertou o lado sentimental de seu próprio pai. Até então, ele era visto como uma figura severa e temida.
O filme do diretor André Bushatsky, de A História do Homem Henry Sobel (2014), segue nessa estrutura híbrida. Alterna depoimentos de vários artistas e técnicos da produção novelesca do Brasil (e de Portugal), com pessoas comuns que foram, de alguma forma, afetadas pelas novelas. Além disso, alguns teóricos e acadêmicos, como o filósofo Mário Sérgio Cortella, contribuem com uma breve visão analítica do impacto deste veículo na sociedade brasileira.
Dessa forma, Brasileiríssima defende que as novelas servem como instrumento de transformação. Segundo os entrevistados, temas como racismo, homofobia, desarmamento, violência contra a mulher etc. ganharam penetração nas conversas dos brasileiros através da ficção. Com isso, após chegar na sociedade através das novelas, os projetos de leis avançaram e conseguiram aprovação no Congresso Nacional. Nesses pontos, o documentário acerta ao ilustrar essas questões com trechos representativos de diferentes títulos da vasta produção novelesca.
Depoimentos do lado de cá da tela
Além da história pessoal impactada pela novela “Pai Herói”, outros depoentes não ligados à indústria audiovisual revelam suas histórias. Assim, temos os relatos trágicos de uma mãe que teve sua filha desaparecida (e que criou a ONG Mães da Sé) e um pai cuja filha morreu num tiroteio (fundador da ONG Sou da Paz). E ambos destacam a resposta massiva de suas participações diretas em novelas, quando puderam levar suas mensagens a milhões de telespectadores.
Ademais, as novelas brasileiras cruzam fronteiras, e impactam a população de outros países, especialmente daqueles que também possuem o idioma português. Assim, temos uma moçambicana que imigrou para o Brasil porque, através das novelas, percebeu que aqui não sofreria tanto preconceito por ser lésbica. Aliás, ela e sua namorada expressam o termo que dá título a esse documentário: “Brasileiríssima!”, é como diz que se sentem hoje. Com essa fala, o filme escolhe concluir o longa – uma escolha um tanto prosaica demais diante de tantos temas levantados. Faria mais sentido, em termos de estrutura, encerrar com a discussão sobre o futuro das telenovelas. Na verdade, o filme aborda esse ponto anteriormente, com os entrevistados concluindo que a tendência é migrar a produção para o streaming.
Mas, entre altos e baixos de Brasileiríssima, saímos marcados pela presença carismática da depoente portuguesa, uma deficiente visual que é fã ardorosa das novelas brasileiras. Seu relato é de uma espontaneidade única; nos emociona sua alegria ao receber um vídeo de seu ídolo Tony Ramos para ela. Esse que é o melhor trecho do filme traz à tona o poder das novelas de engajar o público, sem necessidade de levantar bandeiras. Como um dos entrevistados observa, não é a força da história, mas como ela é contada. E essa fã portuguesa é um perfeito exemplo do storytelling que emociona.
___________________________________________
Ficha técnica:
Brasileiríssima | 2022 | Brasil | 80 min | Direção: André Bushatsky | Roteiro: André Bushatsky, Gilberto Nunes, Mauro Alencar, Marcus Aurelius Pimenta | Com Aguinaldo Silva, Ana Maria Braga, Boni, Dennis Carvalho, Glória Perez, Jayme Monjardin, Jorge Fernando, Lima Duarte, Mauro Alencar, Pedro Bial, Regina Duarte, Silvio de Abreu, Taís Araújo, Tony Ramos.
Distribuição: Bretz Filmes.