Campo do Medo adapta para as telas o livro de mesmo nome que Stephen King escreveu junto com seu filho Joe Hill e que foi publicado em 2012 na revista Esquire.
A sua estória lembra outra obra de King, A Colheita Maldita (Children of the Corn), que virou filme em 1984 e gerou várias sequências e uma refilmagem. Nas duas, algo misterioso se esconde no meio de um campo – um milharal em A Colheita Maldita e um matagal em Campo do Medo.
A trama representa um grande desafio para Vincenzo Natali, diretor e roteirista de Campo do Medo. Como tornar um matagal assustador?
A direção de Vincenzo Natali
Vincenzo Natali parece ser uma boa escolha para esse desafio. Ele possui vasta experiência na direção de séries de suspense famosas. Hannibal, Orphan Black, Wayward Pines, The Strain, e outras tiveram episódios dirigidos por Natali. Além disso, seu primeiro longa-metragem, Cubo (1997), relatava uma estória com pessoas aterrorizadas em um ambiente labiríntico, como acontece em Campo do Medo.
E Natali começa bem o filme. O plano geral mostra um carro andando em uma estrada vazia, cercada por vastos campos de mato. Dentro do veículo, planos detalhes comunicam que a moça no banco de passageiros está grávida e prestes a vomitar. Isso força o rapaz que está dirigindo a parar o carro no acostamento, ao lado do capinzal. Um detalhe importante, porém, só pode ser captado no diálogo. Cal fala “papai e mamãe”, o que precisa ser entendido que os dois são irmãos. Eles se dirigem para outra cidade para doar o filho logo que ele nascer.
Suspense desde o início
O suspense começa imediatamente, quando Cal e sua irmã Becky ouvem um menino pedindo socorro dentro do matagal. Então, os dois entram na mata, com altura de mais de dois metros, para ajudar o garoto. Lá dentro, ficarão perdidos no labirinto formado pela vegetação e por forças estranhas que modificam o caminho. Encontram o menino Tobin e seu pai Ross, mas logo percebem que suas vidas estão em risco. Uma estranha rocha enorme, no meio do capinzal, aumenta o mistério. Travis, o ex-namorado de Becky, chega ao local para ajudar, mas também ficará preso e à mercê de Ross, que parece ter enlouquecido.
O espectador descobrirá que a rocha é uma espécie de árvore sobrenatural que comanda a vegetação e prende no matagal as pessoas que tocam nela. A única forma de sair desse labirinto é encontrar os buracos invisíveis que levam de volta ao ambiente normal. Lá dentro, há outra dimensão de tempo, por isso a narrativa é circular, e nem mesmo a morte é definitiva.
Estória intrincada
Essa estória intrincada não gerou muito suspense ou terror nas mãos de Vincenzo Natali. A fotografia acinzentada atrapalha, deixa tudo na tela sem profundidade. A sequência mais aterrorizante, que mostra as raízes profundas da grande árvore do campo formada por pessoas que ficaram ali presas, foi criada em computação gráfica de forma pouco convincente. Lars Von Trier filmou cena semelhante em seu Anticristo (2009) de maneira muito mais aterrorizante, onde era possível distinguir os membros dos corpos ali grudados, criando muito mais horror.
As criaturas metade vegetal metade humano de Campo do Medo também não assustam nada. Por isso, aparecem pouco na tela, mas o suficiente para o espectador não sentir medo. Diante da pouco eficiente construção desses monstros, era melhor que eles aparecessem menos ainda.
No entanto, o maior problema é a trilha sonora, que drena o suspense das imagens. O compositor Mark Korven assinou a música de Cubo também, portanto, é um antigo colaborador de Vincenzo Natali. Adicionalmente, possui boas referências pelo ótimo A Bruxa (2015), de Robert Eggers. Porém, desgraçadamente para Natali, faltou inspiração para Korven. Ele criou um tema que mescla música com ruídos e vozes, e, principalmente devido a esse último ingrediente, não funciona. O coro de vozes parece repetir palavras, como se fosse entoada por seguidores de uma seita, o que não tem nenhuma relação com o mal sobrenatural da estória. Parece que Korven se confundiu com A Colheita Maldita.
Personagens
Além disso, os personagens não são bem explorados. Antes de construir qualquer empatia com o público, o filme já coloca Cal e Becky em perigo. Aliás, a moça grávida estava numa condição com grande apelo emocional, que facilmente engajaria o espectador. Cal, por outro lado, possui um amor quase incestuoso pela irmã, que é superficialmente tratado no filme, mas que poderia ter sido aprofundado para dar mais consistência ao seu personagem.
Em relação ao menino Tobin, há uma abordagem inconsistente, pois ele surge como uma figura assustadora no início. Então, funciona pela aparência que ele possui, mas depois o filme pede que torçamos por ele. Ademais, há uma cena incômoda, quando o pai de Tobin agride seu filho. Mesmo que o pai esteja possuído pelo mal, esse trecho deveria ter sido eliminado.
Por outro lado, há uma mensagem que o filme não explora. A personagem Becky, no final do filme está transformada em relação ao filho que está para nascer. É como se o apuro que ela passou representasse um mergulho em sua consciência. Mas isso não foi para as telas, infelizmente.
Campo do Medo é uma produção da Netflix que estreou esta semana em streaming no Brasil. No elenco, o destaque para nós fica para Laysla de Oliveira, brasileira que nasceu no Canadá, onde tem construído sua carreira como atriz. Porém, o filme desperdiça o potencial dramático de sua personagem. Aliás, o filme como um todo não faz bom proveito do material criado por Stephen King e Joe Hill.
Ficha técnica:
Campo do Medo (In The Tall Grass, 2019) Canadá 101 min. Dir/Rot: Vincenzo Natali. Elenco: Laysla de Oliveira, Avery Whitted, Patrick Wilson, Will Bule Jr., Harrison Gilbertson, Tiffany Helm, Rachel Wilson.
Assista ao filme online na Netflix
Trailer:
Assista:
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