Filme de guerra ambientado num futuro distópico, o sueco Caranguejo Negro (Svart krabba, 2022) parece ter surgido da imagem icônica de soldados atravessando o gelo, que o diretor (e co-roteirista) Adam Berg criou em sua mente ao ler o livro de Jerker Virdborg. Antes, ele só dirigira videoclipes de bandas suecas de sucesso como Kent (do seu irmão Joakim Berg), A-ha e The Cardigans, além de comerciais publicitários.
De fato, os melhores momentos de Caranguejo Negro, seu filme de estreia, são aqueles que trazem os soldados se arriscando a atravessar uma enorme distância sobre gelo fino, sob a mira de inimigos. A guerra civil começou, o governo caiu, e grupos políticos opostos disputam o poder com seus exércitos formados por civis recrutados à força. Um desses soldados é a protagonista Caroline Edh (Noomi Rapace), que é uma das escolhidas para a missão suicida, chamada de “Caranguejo Negro”. Ela tem uma motivação especial para que a missão dê certo, pois seu líder promete que ela poderá reencontrar a filha no destino.
O grupo para essa missão contém seis membros, mas o filme desperdiça a chance de apresentar cada um deles. O diretor Robert Aldrich, em seu Os Doze Condenados (The Dirty Dozen, 1967), trabalhou muito eficientemente a ideia do pelotão formado por personagens individualizados. Assim, víamos cada um dos doze soldados como pessoas distintas uma das outras, com características pessoais que nos faziam distinguí-los e, até, criarmos empatia (ou antipatia) maior por alguns deles. Adam Berg não faz isso, e só introduz a protagonista Edh, de quem conhecemos seu tormento porque a guerra a separou de sua filha adolescente. Os demais surgem numa reunião rápida e, logo, os seis estão no front, patinando no gelo. Aliás, descaso com os outros integrantes é tão grande que um deles morre de pronto.
Spoilers adiante
Durante boa parte do filme, o objetivo da missão permanece em segredo. Sabemos que eles precisam transportar dois recipientes até o destino, mas não temos a informação sobre o conteúdo deles. A princípio, esse MacGuffin desperta curiosidade, pois os líderes dizem que ele pode pôr fim à guerra. Para Edh, isso não importa, pois o que a motiva é poder rever a filha. No entanto, quando o grupo descobre que eles transportam uma arma biológica que pode matar milhões, surge (mais um) conflito dentro do pelotão. Alguns se recusam a prosseguir, e outros querem ir até o final. Isso cria um dilema moral para Edh, mas seu interesse pessoal fala mais alto.
De certa forma, Edh reprisa o que fez Paul Warfield Tibbets Jr., o piloto do avião que jogou a bomba atômica em Hiroshima. Por isso, Caranguejo Negro poderia ter um impacto enorme se a sua história terminasse num tom amargo, exatamente quando Edh descobre que mentiram sobre o reencontro com filha. Seria um final perfeito para apontar a insensatez das guerras, e, também para criticar o uso de armas terríveis como as biológicas.
No entanto, o filme prossegue para um outro epílogo, pouco convincente. Edh resolve destruir as armas biológicas que entregou, para assim evitar o risco de sua filha ser eventualmente contaminada. Por que não optaram pelo motivo ser uma sede de vingança incontrolável que sente Edh por ter sido usada? O final quase feliz acaba por estragar o impacto desse filme que, ainda assim, deixa na nossa mente algumas cenas fortes, como a dos cadáveres de civis congelados sob o gelo.
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Ficha técnica:
Caranguejo Negro | Svart krabba | 2022 | Suécia | 114 min | Direção: Adam Berg | Roteiro: Adam Berg, Pelle Rådström | Elenco: Noomi Rapace, Aliette Opheim, Dar Salim, Jakob Oftebro, Ardalan Esmaili, Martin Hendrikse, Erik Enge, Susan Taslimi, Cecilia Säverman, Stella Marcimain Klintberg.
Distribuição: Netflix.