Stanley Donen resolve brincar no terreno de Alfred Hitchcock. O resultado é o divertidíssimo Charada (Charade), um filme de suspense com alta carga de humor. Ou seja, na mesma linha de Ladrão de Casaca (To Catch a Thief, 1955), do mestre inglês. Até o ator principal é o mesmo: Cary Grant, que vive em ambos um personagem que o público não sabe se é mocinho ou bandido. E se Hitch contou com Grace Kelly, Donen escala uma atriz de igualável beleza e classe: Audrey Hepburn.
No enredo, a norte-americana Regina Lampert (Hepburn) fica de repente viúva enquanto viaja pela França. Alguém matou seu marido, jogando-o de um trem em movimento. Então, ela descobre que ele e mais quatro colegas roubaram o dinheiro que o governo dos EUA enviara para a resistência francesa durante a Segunda Guerra Mundial. Agora, eles agem juntos, mas rivalizam entre si, para localizar o dinheiro que o marido de Regina tentara pegar todo para si. Por isso, a viúva vira alvo dessa turma, que pensa que ela sabe onde está a grana. Mas, e quanto a Peter Joshua (Grant), será que ele é um desses bandidos ou quer mesmo ajudar Regina?
A arte dos títulos de abertura parece homenagear Saul Bass. Nela, a animação geométrica com flechas e espiral remetem a Intriga Internacional (North by Northwest, 1959) e Um Corpo Que Cai (Vertigo, 1958), respectivamente. Em relação à trama, o filme revela ao público o mesmo tanto de informação que tem a protagonista, como fazia Hitchcock. Com isso, cria-se um compartilhamento de dúvidas entre público e personagem, suficientes para manter a tensão durante toda a história.
Referências e reverências
Os diálogos são deliciosamente picantes. O duplo sentido erótico vem da audaciosa Regina, que de cara se encanta com o charme de Peter, e tenta a todo momento seduzi-lo. Logo, a sensualidade surge numa brincadeira de gincana, depois explode quando Regina sufoca o indefeso Peter com seus beijos. Por fim, o filme ainda conta com vilões memoráveis, em especial aquele vivido por George Kennedy que possui uma mão mecânica – responsável pela luta mais emocionante do longa, no topo de um prédio. E tem ainda James Coburn, que consegue ser ameaçador com uma simples caixa de fósforo.
Já a cena final lembra uma versão do labirinto de A Dama de Shangai (The Lady from Shangai, 1947), trocando os espelhos por grandes colunas de concreto. E, finalmente, o desfecho no palco de teatro remete a Pavor nos Bastidores (Stage Fright, 1950). Referências e reverências à parte, são dois ótimos momentos de suspense para encerrar a história em tom de thriller.
Enfim, com Charada, Stanley Donen comprova o seu ecletismo. Responsável por um dos melhores musicais de todos os tempos, Cantando na Chuva (Singin’ in the Rain, 1952), deixa seu legado também no gênero suspense.
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Ficha técnica:
Charada | Charade | 1963 | 113 min | EUA | Direção: Stanley Donen | Roteiro: Peter Stone | Elenco: Cary Grant, Audrey Hepburn, Walter Matthau, James Coburn, George Kennedy, Dominique Minot, Ned Glass, Jacques Marin, Paul Bonifas, Thomas Chelimsky.