Lembro-me de ter visto esse filme no cinema, numa das muitas tardes que ia ao centro de São Paulo porque lá os ingressos eram bem mais baratos do que nos shoppings. Sabia que Cherry 2000 era uma produção pequena, mas que tinha o atrativo de contar com Melanie Griffith num dos papéis principais. A atriz estava em ascensão, após suas atuações em Dublê de Corpo (Body Double, 1984), de Brian De Palma, e Totalmente Selvagem (Something Wild, 1986), de Jonathan Demme. Além disso, o filme aproveitava o futuro de distopia em regiões desertas. Ou seja, o mesmo ambiente de Mad Max, que ganhara sequências de grande porte após o primeiro filme de 1979. Saí satisfeito da sessão – afinal, o filme estava dentro da média das produções a rodo da década de 1980.
No entanto, Cherry 2000 não se sustenta diante de uma crítica atual. O distanciamento do tempo evidencia as suas falhas, que o colocam como uma movimentada aventura com toques de romance. Hoje fica evidente que os detalhes futurísticos servem para distrair com os avanços tecnológicos que veríamos num futuro próximo (a história se passa em 2017). Mas o arco central da narrativa é a transformação do protagonista Sam Treadwell (David Andrews). Apaixonado pela sua mulher, a androide Cherry 2000 (Pamela Gidley), que pifa, ele se arrisca na perigosa Zona 7 para encontrar o mesmo modelo de robô. Dessa forma, pretende colocar nela as memórias da sua amada. Para essa jornada, ele contrata a rastreadora E. Johnson (Melanie Griffith), mas os dois enfrentam a gangue de Lester (Tim Thomerson), o bandido que comanda a região. Na jornada, redescobre a sua humanidade.
Na estrada de Mad Max
Em determinado aspecto, Cherry 2000 antecipa o empoderamento da mulher. Algo que o quarto filme Mad Max (Mad Max: Estrada da Fúria [Mad Max: Fury Road, 2015) traria. Melanie Griffith, com cabelos vermelhos, personifica uma heroína muito mais preparada do que o protagonista masculino. É Johnson quem guia e ainda salva Sam. Assim, ela dé uma resposta na prática ao questionamento dele quando percebe que o profissional que lhe recomendaram é uma mulher. Mas, para o bem da dramaturgia, sem levantar a bandeira, sem ter que verbalizar esse protesto.
O cenário no deserto inclui uma cidade em ruínas, uma referência velada a Las Vegas. Há entulho por toda a parte, inclusive guardado como preciosidade por Jake (Ben Johnson), um rastreador aposentado que virou ermitão. Não existem mais estradas, praticamente, e todos rodam em carrões envenenados – como a própria Johnson. Daí vem a semelhança com a citada franquia de George Miller. No entanto, a semelhança não vai muito longe, pois Cherry 2000 apresenta violência limitada. A percepção que prevalece é de um filme de aventura, com ritmo ágil, o que abre a oportunidade para cenas de ação com dublês, muito mais impactantes do que a computação gráfica faria predominantemente a partir da primeira década do século 21.
Mas, se esse aspecto dos dublês ganhou um tom nostálgico positivo, os demais pontos de Cherry 2000, à parte o empoderamento feminino, ficaram datados. Até mesmo o jeito manhoso de falar de Melanie Griffith parece não combinar com a sua personagem.
O filme marca a estreia em longa do diretor Steve De Jarnatt, que faria apenas mais um nesse formato, Miracle Mile (1988), e depois trabalharia somente em séries de TV.
___________________________________________
Ficha técnica:
Cherry 2000 | 1987 | 99 min | EUA | Direção: Steve De Jarnatt | Roteiro: Michael Almereyda | Elenco: Melanie Griffith, David Andrews, Pamela Gidley, Ben Johnson, Tim Thomerson, Harry Carey Jr., Jennifer Mayo, Laurence Fishburne, Marshall Bell, Brion James.