Como em seus dois últimos longas, Claire Denis dirige Juliette Binoche em Com Amor e Fúria (Avec amour et acharnement). Mas, desta vez, a diretora coloca a atriz numa personagem sem a bela luz interior de Deixe a Luz do Sol Entrar (Un beau soleil intérieur, 2017). Pode-se dizer que Isabelle, deste filme de 2017, representa o que será a Sara do filme de 2022 a partir dos créditos finais, quando ela precisa recomeçar sua vida do zero.
Com Amor e Fúria acompanha Sara (Juliette Binoche), que vive há nove anos com Jean (Vincent Lindon). Os dois ainda são apaixonados, ativos sexualmente, como mostra a primeira parte do filme, principalmente o início, sem diálogos, que revela o casal em férias. Mas esse equilíbrio se romperá quando o ex-marido de Sara, François (Grégoire Colin), retorna à sua vida quando ele convida Jean a trabalhar com ele. Antes disso, ao ver François de relance, Sara se estremece, dando sinais de que ainda se sente atraída por ele. E isso se confirma quando os dois finalmente se reencontram. Aliás, um sentimento mútuo. Essa sexualidade à flor da pele, desinibida, faz parte do cinema de Claire Denis, e aqui marca as transas de Sara, tanto com Jean quanto com François (mais acentuado, pois esse exige dela sexo anal).
Nosso amor é shallow
Mas Sara não é um personagem tão bem construído quanto Isabelle. Falta nela a dualidade que a tornaria mais humana. O que vemos é ela se entregando sem resistência aos seus desejos pelo ex-marido, importando-se pouco com o atual companheiro por quem ela ainda está atraída e que lhe provê uma estabilidade e uma consideração que o outro nunca lhe proporcionou. O resultado é previsível: ela acaba sem nada. E Claire Denis revela essa conclusão numa metáfora pobre: Clara deixa seu celular cair na água e ela perde tudo que tinha na memória dele. Nada restou. “Nada? Nenhum número?”, pergunta ela ao técnico, como se a metáfora já não fosse óbvia o suficiente.
Os dois outros protagonistas, Jean e François, da mesma forma, são unidimensionais. Em certo ponto, temos a esperança de que Jean será um personagem mais intrigante, como aquele marido interpretado por Michel Piccoli em O Desprezo (Le Mépris, 1963), de Jean-Louis Godard, que praticamente entrega a esposa para os braços do amante. Mas não, Jean simplesmente não quer ser um marido controlador. Já François é o homem que se deixa levar pelos seus impulsos sexuais.
Em suma, Com Amor e Fúria mostra a rápida transição de um casal em lua de mel eterna para um que se separa depois da (re)entrada de uma terceira pessoa que serve como fator de desequilíbrio. Dos beijos e carícias às discussões agressivas. Não adianta tentar um mergulho mais profundo nessa história, pois os personagens estão somente na superfície.
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Ficha técnica:
Com Amor e Fúria | Avec amour et acharnement | 2022 | 116 min | França | Direção: Claire Denis | Roteiro: Christine Angot, Claire Denis | Elenco: Juliette Binoche, Vincent Lindon, Grégoire Colin, Issa Perica, Bulle Ogier, Mati Diop.
Distribuição: Synapse.