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Crimes do Futuro (filme)
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Crimes of the Future (2022) | Por Sérgio Alpendre

Avaliação:
8/10

8/10

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Crítica | Ficha técnica

Com filmes sublimes espalhados por quatro décadas, Cronenberg teve como último grande ponto em sua carreira o drama Marcas da Violência (2005), seu primeiro trabalho com Viggo Mortensen. De lá para cá, realizou filmes dignos como Senhores do Crime (2007) e Cosmópolis (2012), o problemático Um Método Perigoso (2011) e o constrangedor – e pior de toda sua carreira – Mapas para as Estrelas (2014), que, infelizmente, foi também seu último longa. Crimes of the Future aparece então com a promessa de um retorno a seus melhores dias, também por ser seu primeiro roteiro original após ExistenZ (1999).

E, já no início, vemos orifícios anais provocados na barriga do personagem de Viggo Mortensen para o fascínio de um homem e uma mulher; o que remete a seu ExistenZ, cujo nome de trabalho era justamente “Crimes of the Future”. Esse título, aliás, é idêntico ao do segundo longa de Cronenberg, de 1970, mas um filme não tem muito a ver com o outro; no que pode ser uma brincadeira do diretor. Neste mais recente, vemos atrizes que são muito a cara do cinema de hoje, como Kristen Stewart e Léa Seydoux, mesmo que esse “hoje” já dure uns bons anos. São nomes muito associados ao cinema do século 21, em todo caso.

Bizarrices cronenberguianas

Na trama, Viggo é Saul Tenser, um performático cuja arte consiste em exibir as provocadas mutações genéticas de seu corpo ao público, incluindo cirurgias e perfurações. Léa Seydoux é Caprice, sua parceira artística e companheira. Aproxima-se deles uma dupla misteriosa, formada por Timlin (Kristen Stewart) e Wippet (Don McKellar), algo entre arrivistas e discípulos. Numa cena sugestiva, Timlin se aproxima de Saul e diz a frase emblemática do filme: “Cirurgia é o novo sexo”. Em Crash (1996), algumas pessoas sentem prazer de modo inusitado – por feridas, cicatrizes, defeitos causados por acidentes. São meio que párias na sociedade. Crimes of the Future herda essa bizarrice, agora num contexto que é todo bizarro. Logo, os performáticos da cirurgia como sexo são o farol da nova modernidade, são os guias para um novo entendimento da arte.

Mais tarde no filme, um homem com orelhas por todo o corpo faz uma performance a partir da expressão “sou todo ouvidos”; existente, com o mesmo mau gosto, também em inglês (“I’m all ears”). Ele dança freneticamente com uma música eletrônica, enquanto Saul mantém-se distante, tentando entender a arte do concorrente. Esse é o momento em que Cronenberg se submete ao estudo de um corpo em movimento da maneira ao mesmo tempo tradicional e contemporânea. Apesar do corpo cheio de orelhas, seu comportamento é condizente com o gosto atual pela expressão corporal aliada à batida eletrônica. Quando Cronenberg se rende ao convencional, quando quer ser atual, seu filme cai. Felizmente, isto acontece pouco.

Um mundo particular

Pela terceira vez em sua carreira, após Videodrome (1983) e ExistenZ, Cronenberg cria um mundo particular, com suas próprias regras. Um mundo de vários corpos em mutação, de ambientes com paredes escuras, móveis cadavéricos que mexem, ou melhor, dançam com o corpo, um mundo em que as pessoas não se escandalizam ao ver cenas de autópsia com corpos vivos, mas em que um cadáver revela coisas assustadoras dentro de si.

Saul Tenser anda todo coberto de preto, como um monge medieval, normalmente de capuz e mangas que cobrem suas mãos. Timlin veste-se como uma secretária, mas tem o olhar lascivo de quem curte o antigo e o novo sexo (o da cirurgia). Caprice e Wippet parecem mais normais, mas têm o desejo de revolucionar suas aparências (e ela começa a ter coragem para fazer isso). Outros personagens menos atraentes têm também suas esquisitices. Mas o que é esquisitice num mundo todo esquisito? É, na verdade, ser normal, pensar nos termos em que pensamos até hoje (ou até o século 20, vá lá, já que o mundo hoje não é muito normal). Daí a vantagem de se criar um mundo de regras próprias, distintas das que conhecemos.

Cinismo

Cronenberg procura pensar também o conceito de arte contemporânea, arte do corpo, da performance e da auto exposição, o artista como alguém que domina as alterações de seu corpo pela arte. Como a arte de nosso mundo, a do mundo de Cronenberg também é movida por patotas, conchavos, puxadas de tapete e o isolamento – no filme, pelo assassinato – de quem não concorda. Talvez nunca, nem mesmo na obra-prima Gêmeos – Mórbida Semelhança (em que a cirurgia ganha status de arte assustadora), o cineasta tenha representado o mundo da criação artística com tanto cinismo.

Texto escrito pelo crítico e professor de cinema Sérgio Alpendre, especialmente para o Leitura Fílmica.

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Ficha técnica:

Crimes of the Future | Crimes of the Future| 2022 | 1h47 | Canadá, Reino Unido, Grécia | Direção e roteiro: David Cronenberg | Elenco: Viggo Mortensen, Léa Seydoux, Kristen Stewart, Scott Speedman, Sotiris Siozos, Lihi Kornowski, Don McKellar, Tanaya Beatty.

Distribuição: MUBI/O2 Play.

Obs: Crimes of the Future estreia nos cinemas em 14 de julho e chega com exclusividade à MUBI no dia 29 de julho.

Onde assistir:
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