O filme dinamarquês Culpa (Den Skyldige, 2018) é um belo exemplo de roteiro bem construído. A narrativa que o próprio diretor do filme, Gustav Möller, junto com Emil Nygaard Albertsen, escreveu permite que a ação transcorra em um só cenário sem que isso resulte em qualquer momento de tédio.
A trama em si consiste no sequestro de uma mulher por seu ex-marido. A ficha suja dele indica um alto risco para sua esposa. Mas, além disso, novos elementos chocantes aumentam a tensão do filme e uma inesperada reviravolta ainda vem a surpreender o espectador.
Esse enredo já renderia um emocionante thriller policial. Contudo, Culpa ainda se eleva a outro patamar porque o público não vê na tela nenhum evento dessa história. Tudo acontece sob a perspectiva de Asger Holm (Jakob Cedergren), um policial que foi afastado das ruas temporariamente, e agora trabalha alocado no setor que recebe as chamadas de emergência. Uma dessas chamadas vem de Iben, a mulher sequestrada.
A direção de Gustav Möller
Em seu longa de estreia, o diretor Gustav Möller precisa alterar a habitual proporção entre áudio e visual de um filme. Como o roteiro propõe não mostrar as cenas de ação, toda a trama é contada através das vozes dos personagens e dos sons, que o protagonista escuta através das conversas telefônicas. Ou seja, aqui o áudio possui uma função maior do que o visual.
Apesar disso, as imagens também contribuem para a narrativa. Principalmente, pelas expressões e reações do protagonista. Por exemplo, repare na grande pausa quando ele descobre que já aconteceu uma morte nesse caso. Adicionalmente, o diretor mantém a dinâmica do filme alternando planos de curta e média duração, de acordo com o tom exigido na cena. E, tudo isso transcorre exclusivamente dentro de duas salas de atendimento emergencial.
Para não dizer que o filme é perfeito, cabe comentar sobre os trechos que gradativamente contam o erro que o protagonista cometeu – e que levou à sua suspensão da atividade nas ruas. Esses momentos são poucos, mas afrouxam a tensão da trama principal. Por outro lado, esse ponto justifica o arco do personagem, que decide encarar as consequências de seu ato no passado. Dessa forma, a culpa do título refere-se tanto para Iben como para Asger.
Culpa foi a escolha da Dinamarca para o 31ª Oscar de Academa. Em 2021, ganhou uma refilmagem da Netflix, chamada O Culpado (The Guilty), com direção Antoine Fucqua.
Com sua narrativa perfeita, Culpa serve como modelo para ser usado em cursos de roteiro.
Ficha técnica:
Culpa | Den Skyldige | 2018 | Dinamarca | 88 min | Direção: Gustav Möller | Roteiro: Emil Nygaard Albertsen, Gustav Möller | Elenco: Jakob Cedergren, Jessica Dinnage, Omar Shargawi, Johan Olsen, Jacob Lohmann, Katinka Evers-Jahnsen, Jeanette Lindbæk, Simon Bennebjerg.
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