“De Canção em Canção” é mais uma investida personalíssima de Terrence Malick. A fotografia, aqui a cargo de Emmanuel Lubezki, continua representando a maior qualidade do diretor, sempre arrebatadora. Os tons claríssimos predominam, e sempre que possível as imagens são registradas durante a hora mágica (o crepúsculo, quando o sol poente favorece a iluminação). Tais características integram seu estilo. Assim, o que chama mais a atenção nesse filme é a câmera sempre em movimento e enquadramentos inesperados, além de cortes que vão contra a invisibilidade da câmera desejada pelo cinema clássico.
Há muita poesia na tela, e como os versos, as sequências devem ser melhor apreciadas pelo seu ritmo e harmonia. Optar por focar demasiadamente na semântica fatalmente resulta em rejeitar a obra. O filme é uma sucessão de planos, belos, mas, às vezes, desconexos, narrados em off com voz sussurrada. Primeiro, Faye (Rooney Mara) desfila seus pensamentos, sua vontade de viver experiências diversas, enquanto assistimos a uma montagem de cenas que estão por vir. Assim, ela se envolve com dois homens: o músico BV (Ryan Gosling) e o seu bem-sucedido produtor Cook (Michael Fassbender). Logo, a relação que se forma entre eles também ganha narração em primeira pessoa.
Na vida de Cook, surge Rhonda (Natalie Portman), que deseja uma vida estável, porém, essa não é a visão dele. O relacionamento entre os dois acabará de forma trágica, estourando na parte mais frágil. Antes disso, Faye se questionará sobre seu modo de viver, pulando de relacionamento a relacionamento, como se pula de uma música a outra.
Motivação
Pode-se justificar o estilo visual e rítmico do filme como retrato da personalidade em conflito de Faye. Ou seja, a câmera que livremente se move de um personagem a outro, sem se preocupar em centralizar o objeto em quadro, com uso de ângulos inusitados, cortes rápidos, jump cuts. Enfim, tudo se encaixa para caracterizar a inquietude da protagonista, que começa a deixar de apreciar a vida que leva. Quando os personagens resolvem viver uma vida mais simples, a câmera se movimenta com suavidade, o conflito está resolvido.
Em suma, para quem consegue se deixar levar pelas belas imagens e pela gramática inquieta de Malick, “De Canção em Canção” é uma experiência sensorial intensamente agradável. No entanto, para os outros, um filme confuso e entediante.
Por fim, apesar de tocar no tema “música” até no seu título, “De Canção em Canção” não versa diretamente sobre esse tema. Há a presença curiosa, porém, de artista consagrados como Iggy Pop, Patti Smith, John Lydon, Florence Welch, Anthony Kiedis, Flea, Chad Smith, e até Val Kilmer, em sua faceta vocalista de banda, tocando em um festival em Austin, Texas.
Ficha técnica:
De Canção em Canção (Song to Song, 2017) EUA, 129 min. Dir/Rot: Terrence Malick. Com Rooney Mara, Ryan Gosling, Michael Fassbender, Natalie Portman, Cate Blanchett, Holly Hunter, Bérénice Marlohe, Val Kilmer, Lykke Li, Olivia Grace Applegate, Dan Falconberry, Linda Emond, Louanne Stephens, Christin Sawyer Davis, Tom Sturridge, Iggy Pop, Patti Smith, John Lydon, Florence Welch, Anthony Kiedis, Flea, Chad Smith.
Assista: entrevista com Terrence Malick sobre “De Canção em Canção”
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