Após eternizar a imagem icônica de Louise Brooks com seu penteado la garçonne em A Caixa de Pandora (Die Büchse der Pandora, 1929), G. W. Pabst coloca a atriz em outro personagem forte no seu filme seguinte, Diário de uma Garota Perdida (Tagebuch einer Verlorenen, 1929). Desta vez, Pabst privilegia a trama ao visual expressionista.
Baseado em livro de Margarete Böhme Diário de uma Garota Perdida acompanha a vida amarga de Thymian (Brooks). A história começa na Celebração de Confirmação da jovem, evento que reforça a ingenuidade da moça, que veste vestido branco e uma tiara de flores da mesma cor na cabeça. O sócio de seu pai farmacêutico se aproveita da pureza de Thymian e a estupra enquanto desacordada. Ela engravida, mas se recusa a casar com esse ser desprezível.
Seu pai, que costuma abusar das governantas que contrata, acaba fisgado por uma delas, Meta, que o convence a internar Thymian em um reformatório e a entregar o bebê recém-nascido dela para adoção. Nesse internato, a protagonista se submete a trabalho forçado e aos abusos do diretor da instituição. Consegue fugir com a amiga Erika e acaba trabalhando num bordel. Um conde, pai de um pretendente de Thymian, a ajuda a sair dessa vida. E, enquanto isso, ela amadurece e se mostra uma mulher de destacado valor.
Questões políticas
Em meio aos variados acontecimentos que agitam a vida da personagem principal, testemunhamos uma Alemanha pré-Hitler contaminada pelo amoralismo e individualismo. O desprezível Meinert, que estupra Thymian, ainda mantém o pai dela em suas rédeas por causa da hipoteca da farmácia. Depois, com a morte desse pai, Meinert expulsa Meta e seus dois filhos do imóvel. Nesse aspecto, desconfiamos que Meinert represente os judeus sob a visão do “Mein Kampf” de Adolf Hitler. Por outro lado, a rigidez do reformatório e o motim no momento em que Thymian e sua amiga fogem, parecem criticar o nazismo. Enfim, nessa questão política, o filme se mantém numa área perigosamente cinza.
Por esse motivo, provavelmente, G.W. Pabst realizou filmes claramente de esquerda no início dos anos 1930. São eles: Guerra! Flagelo de Deus (Westfront 1918: Vier von der Infanterie, 1930), A Ópera dos Três Vinténs (Die 3 Groschen-Oper, 1931) e A Tragédia da Mina (Kameradschaft, 1931). Porém, durante o regime nazista, Pabst precisou dirigir filmes impostos pelo regime, como Komödianten (1941) e Paracelsus (1943), que ele desprezava. Por fim, após a Segunda Guerra Mundial, o cineasta pôde rodar filmes claramente antinazistas, definindo sua posição sobre o assunto.
Questões sociais
Contudo, é indiscutível o retrato da mulher altiva, superior aos homens. Nesse sentido, Meinert é um monstro, que só pensa em dinheiro (e sexo, ao estuprar a protagonista), indiferente ao sentimento dos outros. Já o pai de Thymian, além de abusador sexual das governantas que contrata, é uma pessoa fraca, que se deixa encurralar por pessoas de má índole como Meinert e Meta. De mesma forma, fraco também é o conde pretendente à mão de Thymian, pois, ao saber que sua amada abdicou da herança que recebeu do pai, se suicida. Além disso, o filme ainda tem o diretor do reformatório, que também abusa das internas. Porém, não podemos nos esquecer que há, pelo menos, duas mulheres que também são vilãs: Meta e a supervisora do reformatório.
Em contraponto, Thymian se apresenta como uma moça ingênua e pura. Sofre por isso, mas amadurece. Logo, destina a sua herança para Meta criar seus dois filhos, perdoando o que a ex-govenanta tramou contra ela. No entanto, não perdoa o homem que a estuprou. E, quando sua situação melhora, ajuda sua amiga do internato, mesmo que, assim, revele seu passado como prostituta.
A mulher moderna
Assim como a Lulu de A Caixa de Pandora, Thymina é uma mulher moderna, que não aceita o papel de submissa perante os homens. Mas, no lugar da sexualidade proeminente, aqui é o caráter que ganha o primeiro plano. É nesse aspecto que a protagonista se eleva em relação aos demais personagens. De qualquer forma, Diário de uma Garota Perdida também é polêmico, para a época. Além da presença de uma mulher emancipada, o filme não condena a prostituição, nem o lesbianismo, insinuado quando a amiga toca a perna e lhe lança um olhar sedutor no primeiro dia no reformatório. Aliás, lá dentro, Louise Brooks troca o corte de cabelo a la garçonne por um bem curtinho, mais masculinizado.
Apesar da predominância dos elementos melodramáticos (estupro, gravidez indesejada, adoção forçada, morte do bebê, etc.), há momentos de alívios cômicos no filme. Pelo menos, um com certeza, quando Thymina tenta ganhar a vida como professora de dança e, em sua primeira aula, um patético homem pensa que ela é prostituta.
Por tudo isso, Diário de uma Garota Perdida é tão bom, ou até melhor, do que A Caixa de Pandora. E nem precisamos falar sobre o carisma de Louise Brooks, cuja presença ilumina a tela.
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Ficha técnica:
Diário de uma Garota Perdida | Tagebuch einer Verlorenen | 1929 | 104 min | Alemanha | Direção: Georg Wilhelm Pabst | Roteiro: Rudolf Leonhardt | Elenco: Louise Brooks, Josef Rovensky, Fritz Rasp, André Roanne, Vera Pawlowa, Franziska Kinz, Arnold Korff, Andrwes Engelmann, Valeska Gert, Edith Meinhard, Sybille Schmitz.