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Diários de Otsoga (filme)
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Diários de Otsoga | Por Sérgio Alpendre

Avaliação:
8/10

8/10

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Crítica | Ficha técnica

Filme diário, dentro do formato agridoce e levemente cômico de A Cara que Mereces (2004), mas muito melhor arranjado; com o jeito veranil de Aquele Querido Mês de Agosto (2008), só que com algo mais sério no ar, algo que na metade do filme descobriremos, Diários de Otsoga mostra um Miguel Gomes mais lírico ao lado de Maureen Fazendeiro, a co-diretora.

O longa mostra três amigos isolados numa casa de campo. Eles constroem um borboletário. Gomes e Fazendeiro tiveram a ideia meio infame de filmar o diário inventado de trás para diante, começando pelo dia 22 e terminando no dia 1. Um diário do avesso, e portanto um filme e personagens do avesso. Por incrível que pareça, a ideia funciona, ao menos muito melhor do que em Irreversível (2002), de Gaspar Noé, também narrado do fim ao princípio.

No meio do caminho, sabemos que esses três amigos não são personagens, mas os atores mesmo do filme: Carloto Cotta, Crista Alfaiate e João Nunes Monteiro, os três com algum trânsito no cinema português. Não vemos um making of do filme, mas um falso documentário de sua filmagem. Tudo parece ficcional, mas com ares documentais. Ou seria documentário com ares ficcionais?

Covid-19

A equipe discute se Carloto furou o esquema de segurança contra a Covid-19, colocando todos em risco, ao ir surfar. Seria Carloto assim irresponsável? Ou é só sua versão do avesso? Vemos Vasco Pimentel, o técnico de som, reclamando da falta de leite e de um e-mail perguntando sobre o pequeno almoço. Teria algo dele nessa reclamação? Em que medida? Interessa saber? E o diretor de fotografia reclamando da nuvem que cobre o sol, depois descobre, depois vem outra e cobre de novo e descobre em seguida? Esse exagero é o seu avesso ou é uma sátira ao trabalho desses profissionais? O que é característica dos envolvidos e o que está do avesso?  Vemos também Gomes e Fazendeiro, os diretores, Mariana Ricardo, uma das roteiristas, o editor Pedro Marques e outros mais. O filme trabalha com repetições e espelhamentos. Todos podem ser os duplos deles mesmos.

Do filme que eles fazem vemos muito pouco. Ou vemos tudo, já que se percebe que a indefinição o norteia. Ou ele ainda irá surgir. O que mais vemos, aliás, é a espera, a construção do borboletário (talvez para o filme, mas não fica claro), discussões sobre a função do ator (no cinema e no filme que estão fazendo) e trechos do roteiro, festejos e banhos nos cachorros.

Simples e lúdico

O fato de mostrar uma cronologia invertida, como diz o próprio Miguel Gomes em um momento do filme, faz com que os primeiros dias, que ficam para o final, sejam mais fortes, pelo momento que todos atravessamos, com todos usando máscaras e tensos pelo temor da Covid (momento que, apesar da melhoria, ainda não terminou). Vemos que algo pode ter acontecido e depois de alguns minutos entenderemos o que (e por quê) aconteceu. A única perda com a inversão temporal é na sequência do trator. Muito interessante quando ele surge no filme, a câmera lenta e Crista se divertindo na direção, nem tanto quando Miguel fala dele para Maureen e a roteirista. É como se tivesse explicado a estranheza. Foi-se a poesia.

O filme se desenrola descompromissadamente, fazendo da simplicidade e do lúdico seus trunfos. Tem uma trilha agradável, alguns momentos engraçados, outros prosaicos, e se revela um belo filme de pandemia.

Texto escrito pelo crítico e professor de cinema Sérgio Alpendre, especialmente para o Leitura Fílmica.


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