Dinheiro Fácil (Dumb Money) relata um fenômeno sem precedentes da Bolsa de Valores estadunidense muito recente. O último fato aconteceu em 2021, o que torna essa adaptação para o cinema um caso raro de imediatismo. A pressa dos realizadores vem da necessidade de aproveitar que o evento ainda está fresco na memória (pelo menos daqueles que seguem o mercado financeiro). Na verdade, já saiu um documentário da Netflix sobre o tema em 2022: Gamestop x Wall Street.
O que aconteceu
Um pequeno investidor, Keith Gill (Paul Dano), conseguiu influenciar milhares de seus seguidores nas redes sociais a comprarem uma determinada ação de uma empresa de varejo de games chamada Gamestop. Essa ação era usada por grandes players do mercado financeiro para operações de venda a descoberto. Ou seja, eles alugavam e vendiam a ação imediatamente ao mesmo preço; depois a recompravam quando o valor caia e devolvia o aluguel. Dessa forma, os tubarões se aproveitavam do dumb money, o dinheiro dos que invetem na bolsa sem o conhecimento dos especialistas. Mas, com o chamado de Keith Gill, apoiado na ideia de os pequenos investidores derrubarem os grandes, as ações da Gamestop subiram vertiginosamente. E esse movimento fez alguns investidores perderem bilhões.
O mercado de ações é alucinante, e complexo. Alguns filmes conseguiram retratar esse cenário com maestria. Um deles é O Lobo de Wall Street (The Wolf of Wall Street, 2013), de Martin Scorsese. O outro, A Grande Aposta (The Big Short, 2015), de Adam McKay. Neles, a comédia anárquica combina com montagem acelerada e recursos criativos (como palavras que surgem na tela e explicações inusitadas sobre termos financeiros). Mas, Dinheiro Fácil não consegue essa proeza. Embora seu diretor, Craig Gillespie, já tenha surpreendido com Eu, Tonya (I, Tonya, 2017) e Cruella (2021), ele não tem o mesmo talento de Adam McKay, e muito menos de Scorsese.
Muita pressa, muitos personagens
O prólogo de Dinheiro Fácil já entrega. O batido flash-forward traz cortes rápidos demais – nem dá para ler os letterings que apresentam o nome e o patrimônio dos personagens principais. Com isso, ao invés de criar um ritmo alucinante comparável ao do mercado de ações, soa apenas apressado. Então, a coisa desacelera quando entra a narrativa, em ordem cronológica, começando por Keith Gill, que acaba de gastar seus únicos USD 55.000 em ações da Gamestop. E começa a falar sobre ações em seu canal nas redes sociais com uma pegada humorística – incluindo um visual ridículo e nome de perfil associado a um gato.
Em relação ao protagonista Keith Gill, o filme consegue se aprofundar. Humaniza-o com sua relação saudável com a esposa Caroline (Shailene Woodley) e o bebê do casal. E, também, com o sofrimento pela perda da irmã por causa da Covid-19. Por outro lado, seu irmão Kevin (Pete Davidson), malando e preguiçoso, irrita com as inúmeras piadas sem graça.
Em paralelo, o enredo mostra também os grandes investidores. Sempre comendo em restaurantes caríssimos (fato que Keith chega até a expressar, desnecessariamente), eles parecem mesmo pessoas desprezíveis, totalmente insensíveis às imensas perdas que suas estratégias provocam nas pessoas comuns que ficam atoladas em dívidas ao virarem dumb money.
Por isso, para garantir o drama, o filme também retrata alguns desses pequenos investidores. Entre eles, uma enfermeira, duas estudantes universitárias, um funcionário da própria Gamestop. Enfim, representantes das pessoas comuns. Mas eles aparecem pouco, sem despertar a esperada empatia.
Sem criatividade
Assim, Dinheiro Fácil descreve a luta dos pequenos contra os grandes. Os pequenos como heróis e os grandes como vilões (o próprio filme compara um deles como um estereótipo da Disney). Nisso, não há novidades, exceto pela figura excêntrica do líder, que consegue, pelo menos, deixar o filme um pouco mais interessante. Mas, para um tema pesado como esse, faz falta uma direção mais criativa.
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Ficha técnica:
Dinheiro Fácil | Dumb Money | 2023 | 105 min | EUA | Direção: Craig Gillespie | Roteiro: Lauren Schuker Blum, Rebecca Angelo | Elenco: Paul Dano, Pete Davidson, Vincent D’Onofrio, America Ferrera, Myha’la Herrold, Nick Offerman, Anthony Ramos, Seth Rogen, Talia Ryder, Sebastian Stan, Shailene Woodley, Kate Burton, Clancy Brown.
Distribuição: Sony Pictures.
Obs: o filme está na programação da 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.
Trailer original aqui.