Poster de "Dodeskaden"
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Dodeskaden – O Caminho da Vida

Avaliação:
7,5/10

7,5/10

Crítica | Ficha técnica

Em Dodeskaden – O Caminho da Vida, Akira Kurosawa repete a estrutura de antologia disfarçada de seu filme O Barba Ruiva (1965). Esse longa anterior apresentava algumas tristes histórias num ambiente de pobreza que contribuíam para a mudança do protagonista e levavam a uma consequente corrente do bem que alterava a perspectiva dura do início da trama, encerrando, assim, num tom esperançoso. Tal processo difere do que acontece em Dodeskaden, causando um efeito inverso. A parte inicial deste filme apresenta vários personagens peculiares que vivem numa favela. Seus comportamentos bizarros, acompanhados de uma trilha musical leve (influenciada pelo cinema ocidental, em particular pela Nova Hollywood) e filmados em cores fortes (pela primeira vez na obra de Kurosawa) remetem a Federico Fellini. Porém, trata-se apenas de uma impressão inicial a ser desmentida conforme o enredo se aprofunda nessas figuras. Quanto mais expõe suas vidas, mais triste o filme se torna.

O prólogo representa um resumo desse processo. À primeira vista, o trecho retrata um jovem que reza pela cura da deficiência mental da sua mãe. Mas, quando ele sai da casa para seu trabalho de condutor de bonde, a verdade vem à tona. É ele quem tem essa deficiência, e seu emprego só existe na sua imaginação. O filme mostra o rapaz fazendo mímica das atividades de um condutor. Anda pelos arredores ritmadamente como se dirigisse o bonde, repetindo “dodeskaden, dodeskaden”, onomatopeia do barulho da máquina em movimento. Aliás, curiosamente, Kurosawa insere outros ruídos do bonde, como se quisesse trazer o espectador para dentro da loucura desse personagem.

Tristes vidas

Após essa introdução, Dodeskaden apresenta os demais moradores dessa comunidade construída ao lado de um lixão. Eles entram e saem do filme, numa dinâmica que permite ao espectador conhecê-los aos poucos, alternadamente. No centro de tudo, estão as alcoviteiras, sempre lavando louças numa torneira pública. Elas se colocam na posição do público, assistindo a tudo sem intervir.

Nesse portfolio de personagens, é provável que o espectador se conecte mais ou menos com cada um deles, de acordo com as suas afinidades pessoais. Guardam em comum o fato de parecerem engraçados na superfície, e tristes quando os conhecemos melhor.

Podemos citar brevemente os dois amigos que se embebedam todas as noites após o trabalho e chegam em casa em estado lamentável para ouvir as reclamações das suas esposas. E o velho sábio que, imbuído de valores elevados, consegue acalmar um homem furioso, ou perdoar o ladrão que invade a sua casa, mas não é capaz de convencer um pai a levar seu filho doente ao médico.

O enredo traz, também, um homem que vive como um robô, porque não consegue superar o trauma da infidelidade da sua esposa. Com tema similar, um pai aceita os vários filhos que sua esposa adúltera tem com homens diferentes (e ela está grávida novamente). Na mesma linha, um senhor cheio de trejeitos estranhos, correto e bonzinho, possui uma esposa que é uma megera. Porém, ele possui uma dívida de gratidão enorme por um sacrifício que ela fez por ele no passado.

Tristeza absoluta

Mas, dois relatos causam um impacto mais contundente.

Num dele, um senhor preguiçoso explora a sua sobrinha que está morando em sua casa enquanto a mãe dela se recupera de uma cirurgia. O abuso envolve trabalho escravo e até estupro.

Em outro relato tocante, pai e filho moram num carro abandonado. O pai é um sonhador, sempre pensando na bela casa que pretende construir. O filho, uma criança de uns dez anos, parece um anjo. Nunca contraria o pai nesses delírios impossíveis, para não entristecê-lo. E o menino percorre as ruas todas as noites, mendigando sobras de comida nos restaurantes. Essa rotina falsamente tranquila não teria como se sustentar por muito tempo. Uma intoxicação alimentar coloca o menino num estado grave. A falação empostada do pai, na verdade, não passa de ignorância disfarçada ou pura insanidade. Por isso, o velho sábio da comunidade não consegue convencê-lo a levar o garoto ao médico, afirmação que aparece também em O Barba Ruiva (“A ignorância leva à doença”, diz um dos personagens daquele filme).

Espírito dos anos 1970

Todas essas histórias reforçam a ideia de que as aparências levam a falsas impressões. O que é essencial só aparece quando existe um aprofundamento significativo.

A mensagem de Akira Kurosawa, como sempre, é muito forte nesta antologia da pobreza. Mas, o diretor passa um pouco do ponto nas suas habituais grandiloquências. O exagero em duas cenas dramáticas – a do rapaz do bonde realizando a manutenção no início do turno, e a do pai testando as opções para o seu projeto de casa – caem no apelativo. São trechos que causam desconforto no espectador, que se sente obrigado a se emocionar.

Por outro lado, Kurosawa apresenta um conceito sólido no filme como um todo. A cena final de Dodeskaden leva ao ponto inicial do enredo. Porém, aquela primeira impressão que fazia este parecer um filme leve, fantasioso – felliniano, em suma – já desapareceu por completo. O cineasta abraça o espírito da época, dos desiludidos anos 1970 que perderam a esperança efusiva da década anterior e que ainda estava presente em O Barba Ruiva.

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Ficha técnica:

Dodeskaden – O Caminho da Vida | Dodesukaden | 1970 | 140 min. | Japão | Direção: Akira Kurosawa | Roteiro: Akira Kurosawa, Hideo Oguni, Shinobu Hashimoto | Elenco: Yoshitaka Zushi, Kin Sugai, Toshiyuki Tonomura, Shinsuke Minami, Yuko Kusunoki, Junzaburo Ban, Kiyoko Tange, Michio Hino, Keiji Furuyama, Tappei Shimokawa, Kunie Tanaka, Jitsuko Yoshimura, Hisashi Igawa, Hideko Okiyama, Hiroshi Akutagawa, Tomoko Naraoka, Atsushi Watanabe, Kamatari Fujiwara, Koji Mitsui.

Cena do filme "Dodeskaden"
Cena do filme "Dodeskaden"
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