Em primeiro lugar, um aviso aos navegantes (aliás, essa chamada se encaixa perfeitamente com o assunto de “No Coração do Mar”). Esse filme não é a aventura da caçada do Capitão Ahab pela gigantesca baleia, adaptada para as telas por John Huston em 1956. Mas sim a história de como o escritor Herman Melville foi atrás de um dos sobreviventes do naufrágio do navio baleeiro Essex. Dessa forma, conheceu o relato que seria a base do livro “Moby Dick”.
Tom Nickerson (Brendam Gleeson) conta como, ainda jovem, embarcou no começo do século 19 numa epopeia que marcaria sua vida para sempre, tornando-o um homem amargo. Caçar baleias para extrair delas óleo sempre exigia um enorme esforço, anos velejando sem pisar em terra firme, mas Owen Chase (Chris Hemsworth) encarava como um trabalho normal. Na verdade, o único que sabia fazer, segundo ele mesmo. Porém, começou essa viagem desgostoso, pois não conseguiu a promoção a capitão que lhe haviam prometido, posto esse entregue para o novato, porém filho de pais poderosos, George Pollard (Benjamim Walker). Por isso, o relacionamento entre os dois não seria nada tranquilo durante a jornada.
A direção
O convite para o espectador navegar junto com essa dupla em atrito surge como a nave imperial em “Guerra nas Estrelas” (Star Wars, 1977), com a barriga de uma enorme baleia atravessando a tela. Assim como no filme de George Lucas, o objetivo de Ron Howard era evidenciar o tamanho descomunal do cetáceo, e criar ansiedade, já que se evita uma tomada de longe do animal que permitiria vê-lo por inteiro. Levaria um certo tempo para as baleias surgirem novamente no filme, e aí aparecem em bando, criando então um efeito quase tão exuberante quanto o da primeira aparição dos dinossauros em “Jurassic Park: o Parque dos Dinossauros” (Jurassic Park, 1993).
O diretor Ron Howard acerta em usar tons verde musgo, trazendo o ambiente úmido dos oceanos e dos litorais para o filme, coerente também com a trama melancólica de “No Coração do Mar”. Porém, há um detalhe técnico que deixa a desejar: o “matte painting” (pintura usada como cenário) representando o fundo da cidade costeira norte-americana de Nantucket aparenta artificialidade.
O roteiro
Mas esse problema não é tão grave. O que prejudica o filme é a narrativa, que decepciona o espectador que assistiu ao trailer e esperava uma aventura com muita ação. É que, como falamos antes, “No Coração do Mar” não é a adaptação do livro “Moby Dick”. A ênfase fica na luta dos tripulantes do Essex pela sobrevivência, contra as forças da natureza, como tempestades e, claro, a baleia gigante.
No embate com a baleia, não há oportunidade para um duelo, pois os homens, armados apenas com lanças, estão totalmente indefesos contra as investidas do animal que os persegue até o fim. Então, lutam contra o incêndio que pode destruir o navio, em cenas que lembram outro filme de Howard, “Backdraft – Cortina de Fogo” (Backdraft, 1991). E, principalmente, em superar as miseráveis condições a que são submetidos quando naufragam. Nesses momentos, o aspecto físico, cadavérico, dos personagens causa até revolta, pelo fato de se exigir tal sacrifício deles.
Por fim, há uma revelação que o roteiro esperava ser bombástica. Na trama, ela havia causado o amargor do sobrevivente que relata o acontecido, mas que não causa esse efeito para o espectador.
Elenco
Em paralelo, o desenvolvimento da relação entre Owen Chase e George Pollard não possui a força que deveria ter. Principalmente porque Chris Hemsworth (o Thor dos filmes recentes da Marvel) é limitado em termos de interpretação dramática. E Benjamim Walker, que fez o papel título de “Abraham Lincoln: Caçador de Vampiros” (Abraham Lincoln: Vampire Hunter, 2012), também não ajuda. Cillian Murphy, escalado para o papel secundário de Matthew Joy, seria uma escolha mais expressiva que qualquer um desses dois.
Pelo menos, “No Coração do Mar” é um filme um pouco acima da média pela sua tonalidade de cores e por algumas imagens impressionantes da baleia no oceano. Só não espere encontrar muita adrenalina.
