As melhores ideias do filme Donzela (Damsel) ficam sufocadas pelo desnecessário ímpeto de explicar demais para o espectador. São cacoetes como esse que corroem a imagem da Netflix como produtora de filmes. A busca por audiência faz parte do jogo, é verdade, mas os executivos da empresa de streaming ainda não entenderam que o público dos longas não é o mesmo das séries. Enquanto não aprenderem isso, continuarão a desperdiçar talentos (os diretores de renome que contratam mas que ficam amarrados às suas exigências comerciais) e material (como é o caso deste filme).
O roteiro de Dan Mazeau traz elementos já vistos no gênero fantasia: uma princesa, um príncipe, um dragão, um castelo etc. E mistura-os com tendências contemporâneas (empoderamento feminino) e ideias de recentes sucessos (o ritual secreto de Midsommar [2019], que deixa o filme com um pé no terror, por uns instantes). Uma fórmula de sucesso garantido.
Na trama, Elodie (Millie Bobby Brown) é a filha mais velha do Lord Bayford (Ray Winstone), cujas terras estão congeladas. Para evitar que todos da sua comunidade morram de fome, ele aceita casar Elodie em troca de um generoso dote. Assim, o lorde leva Elodie para o castelo do pretendente. Seu reino impressiona pela riqueza e o príncipe parece ser bem bonzinho. Já a sua mãe, a Rainha Isabelle (Robin Wright), nem tanto. Quando é tarde demais, Elodie descobre que ela é apenas mais um sacrifício para o dragão que mora nas montanhas. Dentro da sua caverna, a agora princesa precisa lutar contra esse enorme monstro que solta fogo pela boca.
Trechos de bom cinema
Um bando de passarinhos em fogo, e o suspense para mostrar o dragão depois que a protagonista é jogada na caverna são exemplos de bom cinema em Donzela. Alguns simbolismos simples também se destacam, lembrando que o filme é para crianças/pré-adolescentes de 12 anos. Entre eles, o fato de Elodie desconfigurar seu vestido de noiva à medida que se assume como uma mulher forte que lutará até o fim para sobreviver. Nesse sentido, arremessar o anel representa a sua virada de chave.
O filme assume o risco de optar por um dragão falante. Poderia cair no ridículo, mas o roteiro mantém as falas do monstro (da monstra, na verdade) sempre ameaçadoras, usando uma voz sinistra (na versão original). Dessa forma, o tom ganha algo de assustador, o que é positivo.
Tudo explicadinho
Porém, o filme tem conversa demais. Até sozinha na caverna a protagonista não para de falar, expressando verbalmente tudo o que pensa e sente. Como se, no cinema, as imagens não fossem suficientes para comunicar. Numa situação similar, a protagonista de Ninguém Vai Te Salvar (No One Will Save You, 2023), vivida por Kaitlyn Dever, está sozinha em casa e um alienígena a ameaça. E, seu diretor, Brian Duffield, conta toda a narrativa sem precisar de falas.
O cineasta espanhol Juan Carlos Fresnadillo, pelo contrário, explica tudo verbalmente. De forma forçada, inclusive, principalmente quando a heroína está sozinha (“Eu sou o sacrifício!”, exclama ela quando percebe a enrascada em que se meteu). Na parte final, Elodie conversa longamente com a dragão-fêmea, reafirmando o que o espectador já deduzira. A Netflix deve considerar que o seu público vê os seus filmes no meio da tarde de um domingo com a casa cheia. Para esses casos, a explicação pormenorizada faz sentido, pois fica difícil prestar atenção. Já o espectador que separa um tempo para assistir com atenção, que é como a obra merece ser desfrutada, essas falas supérfluas chegam a irritar.
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Ficha técnica de “Donzela”:
Donzela | Damsel | 2024 | 110 min | EUA | Direção: Juan Carlos Fresnadillo | Roteiro: Dan Mazeau | Elenco: Millie Bobby Brown, Ray Winstone, Angela Bassett, Brooke Carter, Nick Robinson, Robin Wright, Milo Twomey.
Distribuição: Netflix.