O roteiro de Em Fuga (9 Bullets) é tão ruim que serve até para um script doctor usar como exercício para comprovar a importância dos seus serviços. Pelos créditos, já dava para desconfiar que o filme seria uma bomba. Afinal, foi escrito e dirigido por Gigi Gaston, uma cineasta que realizou quatro longas-metragens fraquíssimos até agora. O mais conhecido deles, Além dos Limites (Beyond the City Limits, 2001), teve em seu elenco Jennifer Esposito, Alyson Hannigan, Nastassja Kinski (!) e até Todd Field, o diretor de Tár (2022).
Neste Em Fuga, Gigi Gaston também conta com um elenco de nomes conhecidos. Entre eles, Lena Headey (a Cersei de Game of Thrones), Sam Worthington (dos dois filmes Avatar) e a veterana Barbara Hershey. Mas essas estrelas servem apenas como isca para atrair público.
Um road movie sem destino
O enredo tenta ser um road movie policial, como o próprio título original sugere. Na trama, Sam (Dean Scott Vazquez), de onze anos, testemunha bandidos assassinarem os seus pais, e foge. Antes de morrer, o pai conta à dançarina Gypsy (Lena Headey), sua vizinha e amiga, que desviou dinheiro do chefe de uma gangue, Jack (Sam Worthington), ex-namorado de Gypsy. E pede para ela cuidar do menino. Assim, tem início a fuga de Gypsy e Sam, que supostamente deveria sustentar o filme.
Por um lado, o enredo traz a batida transformação do relacionamento entre esses dois protagonistas. No começo, Gypsy quer se livrar logo do irritante menino metido a saber de tudo (e o filme até exagera na dose, pois o personagem é muito chato). Por isso, quer apenas dar um jeito de deixá-lo nas mãos do tio (que também não quer o garoto). Mas, como é de praxe, acaba surgindo uma afeição grande entre os dois, com direito a momentos melosos que, sem nenhum tato, tentam sensibilizar o espectador. Nesse sentido, o flashback perto do final é lamentavelmente pedante.
Por outro lado, há a linha narrativa da fuga de Gypsy e Sam, pois Jack quer recuperar o dinheiro desviado, o que só é possível através do Ipad do menino. Pelo menos, as constantes movimentações por vários estados da costa oeste dos Estados Unidos funcionam. Mas, inexplicavelmente, Gypsy resolve se encontrar com Jack, para convencê-lo a deixar o menino em paz após a devolução do dinheiro. Para que, então, serviu essa peregrinação toda? E, depois dos dois ex-amantes irem para a cama, a fuga continua? Não faz sentido nenhum.
Vilões fracos
A caracterização dos vilões também é outro ponto falho desse roteiro. Os capangas de Jack deviam ser ameaçadores, mas parecem três patetas. Parece que nunca descobrem se o menino está com Gypsy, por mais evidente que isso seja. A dúvida deles continua mesmo após o encontro dela com Jack. Em alguns momentos, buscam apenas o menino e se esquecem do Ipad, que é essencial para o chefe deles. Além disso, parecem implacáveis, mas poupam a vida da trambiqueira que dá carona aos fugitivos. E ainda saem correndo quando uma senhora (a participação especial de Barbara Hershey) os ameaça com um rifle.
Aliás, o próprio chefão Jack não soa ameaçador como deveria. Ela já poderia resolver a questão central do filme no encontro com Gypsy, bastava obrigá-la a revelar onde estava o menino. Aparentemente, ele ainda a ama, mas tanto a ponto de um bandidão como ele desprezar sete milhões de dólares? Eis aí outra tolice do roteiro. Por que cravar uma quantia tão grande? Se desviaram isso dele, ele provavelmente tem muito mais. Então, por que ele se engraçaria com a filha de alguém poderoso para se candidatar a prefeito?
Para piorar, o filme não tem um fechamento. Depois de toda a lambança, Gypsy e Sam continuam com o dinheiro, portanto, ainda em fuga. Ou devemos supor que Jack vai relevar o dinheiro que perdeu?
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Ficha técnica:
Em Fuga | 9 Bullets | 2022 |97 min | EUA | Direção e roteiro: Gigi Gaston | Elenco: Lena Headey, Sam Worthington, Dean Scott Vazquez, Martin Sensmeier, Chris Mullinax, Cam Gigandet, La La Anthony, Emma Holzer, Barbara Hershey, Colleen Camp.