O chileno Pablo Larraín volta a dirigir um filme em seu país natal, depois de realizar Jackie (2016), a biografia de Jacqueline Onassis. E Ema o coloca de volta a temas mais impactantes, tal qual o de Uma Mulher Fantástica, que ele assinou como produtor.
Acima de tudo, o filme Ema é transgressor, como sua incendiária personagem título.
A trama
Ema (Mariana Di Girolamo) é uma dançarina casada com seu coreógrafo, Gastón (Gael García Bernal), doze anos mais velho que ela e estéril. Polo, o garoto pré-adolescente adotado pelo casal, comete alguns atos violentos. Por exemplo, tocar fogo no rosto de sua tia e colocar o gato no freezer para morrer. Então, Ema devolve o menino para a instituição de adoção. Por isso, é duramente criticada por todos: pelo marido, pelos colegas da escola onde leciona dança, pelos familiares, pela agente de adoção. Assim, arrependida, decide quebrar todos os obstáculos morais, sociais e legais para reaver Polo.
No plano de Ema para recuperar Polo, ela descobre quem são os novos pais adotivos e, através de estratagemas bem originais, consegue conhecer o casal, composto por um bombeiro e uma advogada. Secretamente, ela seduz a mulher e o marido, separadamente. O filme não revela de cara quem são esses dois, e nem o menino que está com eles, pois Polo ainda não foi apresentado ao público. O interesse na trama não diminui mesmo para o espectador que descubra ou desconfie disso. O impacto do filme não está na surpresa e sim na coragem de Ema.
A audácia de Ema é tão grande quanto a sua sincera crença de que está agindo da forma correta. Por isso, reúne ao final todos os envolvidos para explicar a motivação de seu plano, e, como fez durante todo o filme, consegue convencer a todos a aceitarem sua ideia.
A direção
A história se passa em Valparaíso, cidade litorânea a uma hora da capital chilena. Ao invés de mostrar os lugares turísticos da região, Pablo Larraín extrai beleza da paisagem urbana, das moradias modestas onde vivem os personagens do filme. Nesse sentido, o plano que mostra Ema descendo a rua com o fundo desfocado destaca o belo colorido dos prédios, em duas sequências similares de Ema.
A protagonista Ema é uma desbravadora, e quebra os paradigmas ao construir em sua mente uma família possível que se difere de todas. Como no filme Assunto de Família (2018), laços familiares não se limitam a ligação sanguínea. Através de seu plano, Ema consegue estabelecer uma conexão duradoura com Polo, e ainda lhe dar um irmão caçula. A jovem precisa de liberdade, por isso, as regras normalmente aceitas pela sociedade, ou mesmo aquelas impostas pelas leis, não se aplicam quando se busca o que ela considera correto. Assim, a imagem do semáforo queimado por Ema com um lança-chamas simboliza seu pensamento.
Na mesma linha, Ema não aceita os limites da dança moderna coreografada por Gastón. Para desgosto dele, ela prefere a liberdade sexual ilustrada pelo reggaeton. O filme mostra sua paixão por essa dança numa montagem dela e seus amigos dançando reggaeton em diferentes locações, como num videoclipe. Em relação ao sexo, ela também prefere ser livre. Aliás, Pablo Larraín demonstra isso em imagens. Em especial, numa sequência com várias cenas com Ema transando com parceiros diferentes, do marido a amantes homens e mulheres, conectadas pela mesma fotografia azulada em todas elas.
Enfim, Ema passa por cima das regras tradicionais para alcançar o que acredita. O filme, igualmente, não se encaixa nas fórmulas dos gêneros cinematográficos usuais. Como resultado, um trabalho original e diferenciado do diretor Pablo Larraín.
Ficha técnica:
Ema (Ema, 2019) Chile. 107 min. Dir: Pablo Larraín. Rot: Guillermo Calderón, Alejandro Moreno. Elenco: Mariana Di Girolamo, Gael García Bernal, Santiago Cabrera, Paola Gianini, Cristián Suárez, Giannina Fruttero, Josefina Fiebelkorn, Mariana Loyola, Caralina Saavedra, Paula Luchsinger, Paula Hofmann.