Em Encontro com o Ditador, o cineasta cambojano Rithy Panh volta ao tema recorrente de sua filmografia: os abusos do regime ditatorial do Khmer Vermelho liderado pelo primeiro-ministro Pol Pot (que durou de 1976 a 1979). O roteiro se inspira no livro “When the War Was Over: Cambodia and the Khmer Rouge Revolution”, da Elizabeth Becker que, em 1978, junto com mais dois companheiros, visitou o Camboja para uma inédita entrevista com ditador. O documentário Bophana , une tragédie cambodgienne (1996), do mesmo diretor, também se baseou em escritos de Becker.
Registro oficial
No filme, uma jornalista, um acadêmico e um fotógrafo franceses, respectivamente Lise Delbo (Irène Jacob), Alain Cariou (Grégoire Colin) e Paul Thomas (Cyril Gueï), desembarcam no Camboja para a entrevista. Antes do encontro com o ditador, são convidados a conhecer o sistema comunista que o Khmer Vermelho implantou no país. Segundo os representantes do governo, uma alternativa mais justa e igualitária do que o capitalismo, como eles pretendem mostrar ao grupo e ao mundo.
À primeira vista, parece que funciona, mas basta os três observarem com um pouco mais de atenção para perceber que tudo se trata de uma fachada. De fato, o que eles encontram é um país militarizado, que obriga os trabalhadores ao serviço forçado na agricultura e a falarem nas entrevistas a versão oficial. O cerceamento da liberdade fica evidente nas acomodações reservadas para a delegação francesa, assim como na vigilância constante sobre eles e sobre todos os trabalhadores. Segundo levantamento de Lise em uma entrevista, todos os que eram considerados intelectuais agora devem ser também trabalhadores. O próprio ditador confirma, perto do desfecho: “todos devem ser iguais, quem não aceita essa regra deve ser exterminado”.
Paul, o mais inconformado do grupo, se arrisca a investigar com maior profundidade. Ao se embrenhar na mata, encontra um cemitério clandestino e pessoas doentes num vilarejo, inclusive crianças. Por outro lado, Alain, que conseguiu esse encontro por ter uma antiga amizade com um assessor de Pol Pot, prefere fingir que não vê nada de errado, pois ele apoia a ideologia marxista. Enquanto isso, Lise representa a jornalista séria, cuja ética não permite fechar os olhos para o que está diante de si. Quando fica claro que Paul está em perigo, a situação se torna ainda mais tensa.
Mistura de linguagens
O diretor Rithy Panh utiliza diferentes recursos para contar essa narrativa. Na maior parte, envereda pelo cinema clássico tradicional, mantendo o ponto de vista dos três protagonistas, principalmente de Lise. Mas, em outros, faz uso de bonecos de argila em cenários em miniatura, retomando o que fez antes em A Imagem Que Falta (2013). Imagens de arquivo também fazem parte deste filme, como em outros anteriores – algumas delas até novamente usadas aqui. Completam essa mistura de linguagens cenas fantásticas, que retratam sonhos, alucinações, pensamentos. Por exemplo, quando Lise entra numa casa que foi desapropriada pelo Khmer Vermelho, um filme caseiro dos moradores originais está sendo projetado na parede. Panh, além disso, recorre à montagem de Eisenstein – como na justaposição do plano com a entrevista do camponês que falou demais com uma imagem de crocodilos, induzindo ao destino que os soldados lhe reservam.
O resultado dessa mistura de linguagens é uma narrativa absorvente, apoiada por ótimas interpretações dos atores principais.
O tema não é novo. Além de recorrente no cinema de Rithy Panh, o próprio cinema ocidental o abordou em Os Gritos do Silêncio (The Killing Fields, 1984), de Roland Joffé, cujo título brasileiro tem estreita conexão com a subtrama de Encontro com o Ditador, que questiona aqueles que sabiam que acontecia um genocídio e preferiram se calar.
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Ficha técnica:
Encontro com o Ditador | Rendez-vous avec Pol Pot | 2024 | 112 min. | França, Camboja, Taiwan, Catar, Turquia | Direção: Rithy Panh | Roteiro: Pierre Erwan Guillaume, Rithy Panh | Elenco: Irène Jacob, Grégoire Colin, Cyril Guei, Bunhok Lim, Somaline Mao.
Distribuição: Pandora Filmes.