Duas constatações saltam aos olhos em Fale Comigo (Talk To Me), de Danny Philippou e Michael Philippou. A primeira é que Jordan Peele é uma clara influência. E a outra, que o filme representa uma alegoria sobre o vício das drogas.
Os irmãos gêmeos australianos, Danny e Michael Philippou, iniciaram no audiovisual criando o canal do Youtube RackaRacka em 2013. E agora estreiam no cinema com esse longa que se tornou o filme de terror mais comentado do ano até agora.
A premissa parece tola: uma mão de gesso serve como uma variação do tabuleiro ouija para falar com os mortos. Mas o roteiro consegue desenvolver, a partir dela, uma história assustadora que mexe com os temores mais fortes dos seus personagens. E os Philippou não apostam nos sustos, preferem provocar o medo ao trazer as pessoas mortas (caracterizadas com maquiagens muito convincentes) para o convívio (nada amigável) dos vivos. Com isso, criam um ambiente sombrio com profundidade psicológica, daí lembrando o cinema de Jordan Pelle.
O terror das drogas
Já a alegoria em relação ao uso de drogas fica evidente na trama. A jovem Mia (Sophie Wilde), que há dois anos perdeu a mãe, provavelmente se suicidando, vai com sua melhor amiga Jade (Alexandra Jensen) e o namorado dela Daniel (Otis Dhanji) para uma festinha dos amigos. Lá, todos estão animados para viver ou reviver a experiência da mão ouija.
E, para se enturmar, Mia se voluntaria para embarcar nessa viagem. Ela não só vê mortos, como chama um deles para dentro do seu corpo. Assim, ela passa a agir como não se fosse ela mesma e sim esse ser do além. Todos os presentes se assustam com os contorcionismos, olhos pretos e voz esquisita que tomam conta de Mia. Se assustam, mas também se divertem, inclusive a própria Mia, que diz que a experiência foi sensacional. E, claro, vai querer usar a mão mais vezes, apesar de ter alucinações recorrentes, um efeito colateral porque ela desrespeitou os limites.
Essa perigosa brincadeira com o perigo vai acabar dando errado. E justamente com Riley (Joe Bird), o irmão de dez anos de Jade. O garoto acaba no hospital, e isso acaba estremecendo o relacionamento de Mia com Jade e a família dela. O risco fica ainda mais alto porque Mia tem alucinações que a induzem a agir como se fizesse algo bom, mas na verdade coloca as outras pessoas em perigo. Ou seja, tudo como se fosse uma metáfora do uso de drogas, desde a atração a partir dos amigos, ao vício da vontade de voltar a usar, culminando nas atitudes inconsequentes sob a influência da substância.
Envolvente e profundo
Fale Comigo apresenta esse enredo com um ritmo ágil. Na abertura, mostra já o estágio avançado de um usuário da mão, e seu ato inesperado antecipa o processo que arruinará a protagonista. As visões dos mortos surgem num crescendo, a partir do ponto de vista de Mia, principalmente, mas também de outros personagens que usam a mão. Tudo bem amarrado, em especial quando Mia vê mortos que se fazem passar por sua mãe para que ela aja conforme suas ordens.
E, no fundo, o filme possui uma tristeza sufocante, que vem da dor de Mia pela perda da mãe depressiva. Mais triste ainda porque as duas buscaram soluções nas drogas, que só as afogaram ainda mais nessa angústia profunda. Na linha de Jordan Peele, os Philippou engrossam esse terror mais envolvente, que vai muito além dos jump scares.
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Ficha técnica:
Fale Comigo | Talk To Me | 2022 | 94 min | Austrália, Reino Unido | Direção: Danny Philippou, Michael Philippou | Roteiro: Danny Philippou, Bill Hinzman | Elenco: Sophie Wilde, Alexandra Jensen, Joe Bird, Otis Dhanji, Miranda Otto, Zoe Terakes.
Distribuição: Diamond Films.
Trailer aqui.