O filme japonês Família, de Izuru Narushima, possui um forte apelo para o público brasileiro. Diferente do documentário Bem-Vindos de Novo, de Marcos Yoshi, e do que parece que veremos em Gaijin II, que Tizuka Yamasaki está preparando, o longa de Narushima mostra o lado dos dekasseguis fracassados. São os sonhos frustrados daqueles brasileiros que foram ao Japão em busca de trabalho que pagava bem. Eles vivem em conjuntos habitacionais simples, e nem todos os seus filhos conseguiram bons empregos, por isso apelam para subempregos ou até para atividades ilegais.
O filme não disfarça que essa comunidade brasileira se situa numa posição social inferior. Por isso, a câmera desce num movimento vertical pelos prédios do Ho-oka, para lá embaixo mostrar os jovens nipo-brasileiros acordando cedo para irem trabalhar. Cenário bem distinto da cena bucólica de abertura, que mostra o protagonista Seiji (Koji Yakusho, de O Terceiro Assassinato [2017] e Dias Perfeitos [2023]) em seu ofício quase artístico de ceramista.
As duas narrativas paralelas
A narrativa principal acompanha Seiji num momento importante para sua vida. Seu filho Manabu (Ryo Yoshizawa), que tem um bom emprego numa usina de gás na Argélia, retorna de férias para apresentar ao pai sua esposa Nadia (Malyka Ali), uma órfã de guerra daquele país. Manabu gostaria de voltar a morar no Japão e seguir a profissão do pai, mas este o desencoraja, pois a cerâmica não dá dinheiro. Essa linha do enredo segue em banho-maria, até que, no final, algo acontece e Seiji acabará com uma nova família (daí o título, inclusive o original, que expressa como um japonês falaria a palavra em português).
A narrativa secundária garante a ação propriamente dita. Lembra um filme policial, e tem o casal de namorados Marcos e Erika envolvidos com uma perigosa gangue de traficantes por causa de uma besteira que um amigo deles faz. Entra aí o tema da rivalidade entre os japoneses e os estrangeiros brasileiros (sejam os descendentes que nasceram no Brasil ou aqueles que se casaram com eles). Mas o filme evita entrar em temas mais sérios, como a xenofobia e o preconceito racial. Assim, os principais oponentes, Marcos e o líder da gangue possuem motivos pessoais para sentirem raiva dos grupos que eles generalizam. Marcos, por exemplo, é filho de um dekassegui que acabou sem emprego e se matou.
Eventos demais para um filme
Essas duas linhas narrativas se cruzam quando Marcos, fugindo dos traficantes, se esconde na casa de Seiji. Com Erika e Manabu servindo de facilitadores e incentivadores de uma aproximação, nasce uma relação afetuosa entre todos eles. Mas tanta coisa acontece na história que o filme parece não andar. Pior ainda, quando os eventos surgem, parecem forçados. Talvez funcionasse melhor numa série, que precisa dessa movimentação toda a cada episódio. Esse enredo, pensando assim, renderia uma temporada completa. Porém, em um longa-metragem, essa sucessão de acontecimentos acaba minando a trama que, no fundo, trata de criar um laço familiar entre pessoas que não compartilham do mesmo sangue. Sobre esse tema, prefira o bem mais criativo Assunto de Família (2018), de Hirokazu Koreeda.
E, com exceção das duas primeiras sequências, a direção de Izuru Narushima atrapalha a fluência desse emaranhado de eventos. Usa e abusa da câmera trêmula de forma irritante, e ainda filma mal as cenas de ação. Sem contar ainda que os atores brasileiros secundários (os parentes e amigos de Marcos e Erika) soam falsos, assim como o casal nipo-brasileiro (curiosamente parecem melhores falando japonês do que português). É preciso também mencionar a apelativa cena de sexo desse mesmo casal, que acontece num momento totalmente inapropriado.
Assim, Família vale mais como oportunidade para ver, mesmo que numa obra ficcional, o lado dos imigrantes brasileiros que não deram certo no Japão. No mais, um drama com tema simplista envolto num policial pouco inspirado.
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Ficha técnica:
Família | Famiria | 2023 | 121 min | Japão | Direção: Izuru Narushima | Roteiro: Kiyotaka Inagaki | Elenco: Koji Yakusho, Ryô Yoshizawa, Lucas Sagae, Malyka Ali, Fadile Waked, Yutaka Matsushige, Miyavi.
Distribuição: Sato Company.
