Los Silencios apresenta uma visão espiritualizada da ausência provocada pelos entes queridos falecidos.
O enredo
Quando surgem as ameaças dos paramilitares colombianos, Amparo foge para uma ilha localizada na fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru. Pouco antes, seu marido Adão fez uma denúncia e agora está desaparecido, juntamente com sua filha Nuria. Enquanto os corpos não são localizados, ela tenta recomeçar sua vida com a ajuda da sua tia “Abuela”. Assim Amparo começa a trabalhar carregando sacos de peixes e matricula o filho caçula Fabio na escola local. Mas Adão e Nuria continuam na vida deles.
Crenças indígenas
Essencialmente, o filme aborda a presença dos desaparecidos seguindo as crenças indígenas locais, o que fica evidente na sua conclusão. Nesse contexto, os fantasmas não provocam medo, não são assustadores nem entidades malignas. E essa visão diferenciada sobre o tema remete a produções de outras culturas como Tio Boonmee, Que Pode Recordar Suas Vidas Passadas (2010), do diretor tailandês Apichatpong Weerasethakul, e Para o Outro Lado (2015), do cineasta japonês Kiyoshi Kurosawa.
Por um lado, Los Silencios evita revelar ao público que o pai e a filha que aparecem na tela já estão mortos. E isso se encontra conectado com o fato de que Amparo ainda não recebeu a confirmação da morte deles. Afinal, os seus corpos ainda não foram encontrados.
Assim, a própria filha Nuria parece que só se dá conta de que é um fantasma quando comparece a uma reunião de mortos. Já o espectador, porém, pode concluir isso pelo fato de que ela nunca fala, nem mesmo na apresentação dos novos alunos na sala de aula. De fato, a única personagem que interage com ela é a colega de classe que possui poderes mediúnicos.
E a evidência de que o pai é um fantasma está na cena em que Amparo fala em voz alta sobre suas dúvidas quanto à proposta de seu advogado. Aparentemente, Adão lhe responde, mas no final dessa cena, vemos que ela está falando sozinha.
Depois, a partir da reunião dos mortos, estes são identificados com cores fluorescentes, nas roupas ou em pinturas no corpo. Esse neon os diferencia dos vivos.
Escrito e dirigido por Beatriz Seigner
A diretora de Los Silencios, a brasileira Beatriz Seigner, também roteirista do filme, opta por não utilizar trilha sonora que não seja inerente à cena. Adicionalmente, emprega planos gerais filmados a grande distância que tornam os personagens pequenos dentro do quadro. A câmera pouco movimenta, mantendo-se fixa com enquadramentos evidentemente bem planejados. Por exemplo, a cena em que a câmera filma por baixo de uma palafita, e vemos apenas os pés de Nuria e um ioiô que sobe e desce.
Dessa forma, todas essas escolhas constroem uma situação em que os personagens são pequenos diante de uma realidade que não conseguem mudar. Afinal, desafiar a situação de conflito na Colômbia resulta na perseguição dos paramilitares. Da mesma forma, os falecidos continuam presentes, mas sem poder interferir no cotidiano dos vivos. Tal qual a própria ilha, que não pertence a nenhum dos três países ao seu redor, os mortos também não pertencem ao mundo dos vivos.
Por fim, a bela fotografia, principalmente nas cenas noturnas, ajuda a elaborar um ritmo contemplativo ao filme. E coloca o espectador na posição dos mortos, testemunhando os acontecimentos sem poder interferir nelas.
Ficha técnica:
Los Silencios (Los Silencios, 2019) Brasil/Colômbia/França. Dir/Rot: Beatriz Seigner. Elenco: Doña Albina, Yerson Castellanos, Enrique Diaz, Astrid Fernanda López MartÍnez, Alida Pandurro, Leidy Prieto Echeverry, Heider Sanchez, Adolfo Savinvino, Marleyda Soto, María Paula Tabares Peña.