O ator Sean Penn dirigiu seu primeiro filme em 1991, chamado Unidos Pelo Sangue (The Indian Runner, 1991). Mas, o seu melhor longa provavelmente é Na Natureza Selvagem (Into the Wild, 2007), muito lembrado pela sintonia entre as imagens e a trilha musical com canções interpretadas (e a maioria composta) por Eddie Vedder. Catorze anos depois, Sean Penn retoma essa parceria em Flag Day – Dias Perdidos, com algumas variáveis. Desta vez, Eddie Vedder está acompanhado de sua filha Olivia Vedder e do músico Glen Hansard, conhecido pelo Oscar que recebeu por Apenas Uma Vez (Once, 2008), prêmio compartilhado com Markéta Irglová. A trilha de Flag Day ainda inclui canções interpretadas pela cantora Cat Power.
Musicalmente, o projeto deu certo. O álbum com a trilha musical é maravilhoso, e transporta o ouvinte para o clima melancólico da história retratada no filme. Baseado no livro “Flim-Flam Man”, de Jennifer Vogel, o roteiro conta a vida de John Vogel, o pai da autora, condenado por assalto e procurado por falsificação de dinheiro. A perspectiva, portanto, é de Jennifer, que adorava o pai, mas não pode conviver com ele o tanto quanto gostaria. Já com a mãe não se dava bem, e saiu de casa assim que teve idade para isso. Porém, caiu numa vida errante, e se perdeu nas drogas. Depois, se reergueu, conseguiu se formar em jornalismo na Universidade de Minnesota. A propósito, o título do filme é “Flag Day” porque John nasceu no Dia da Bandeira.
As escolhas do diretor
Como cinema, Flag Day – Dias Perdidos sofre pelas escolhas de Sean Penn. O filme começa com o batido recurso do flash forward, que adianta um acontecimento da história para que o espectador fique curioso para saber como se chegou nessa situação. Esse truque não funciona neste filme. Quem conhece a história de John Vogel já sabe que ele era um falsificador, informação que surpreende a filha Jennifer no momento trágico em que ela descobre. E, para a maioria que nunca tinha ouvido falar dele, sem essa introdução o filme ganharia mais dramaticidade, e o espectador compartilharia a comoção que tomou conta da filha no desfecho.
Pelo menos, Sean Penn possuía um motivo para usar o flash forward, que era o de revelar que o filme seria contado a partir das lembranças de Jennifer Vogel. Por isso, a infância (a partir de 1975) começa quando ela fecha os olhos. Em seguida, entram pequenos planos filmados com imagens desfocadas, escuras, ou sob a luz do crepúsculo que cria silhuetas dos personagens. Entra, então, uma cena emblemática na qual a ainda pequena Jennifer dirige o carro do pai, que dorme, numa estrada à noite. O trecho simboliza o que o pai fará em vida, forçando a filha a assumir responsabilidades antes de estar pronta para isso. Na fase criança, o filme continua num tom poético, com belas imagens sob o sol poente, câmera solta, e a trilha musical embalando um cinema visual e viajante que remete a Terrence Malick.
Da música ao silêncio
Sean Penn procura adequar o estilo de filmar com o estado mental da protagonista. Por isso, a infância é nebulosa, mas mágica, pois é assim que Jennifer se recorda dela. Outros momentos mais duros, quando ela sai da adolescência, são filmados de maneira mais clássica. Nos tempos de abuso de drogas, a câmera na mão mal consegue manter a personagem no quadro – e locais degradantes ressaltam o quanto ela fica perdida, chegando ao ponto de dormir nas ruas e pensar em suicídio.
O clímax dramático, contrastando com a onipresença da música durante o restante do filme, é totalmente silencioso. Jennifer vê a morte do pai pela televisão. A cena impactante dessa forma faz imaginar o potencial que ela teria caso o público não soubesse o que estava para acontecer, começando pela revelação do crime que o pai estava cometendo.
Elenco
O próprio Sean Penn interpreta John Vogel, acumulando pela primeira vez na carreira as funções de diretor e ator. Desta vez, ele não consegue uma interpretação tão forte como de hábito. Pode ser que ainda precise se adaptar a essa dupla função, ou ainda por sentir a pressão de atuar ao lado da filha, Dylan Penn, que assume o papel principal de Jennifer Vogel. Além dos dois, Hopper Penn, outro filho de Sean com Robin Wright, faz o irmão de Jennifer na fase adulta. O elenco ainda traz atores famosos em pequenas participações, como Josh Brolin, Regina King e Eddie Marsan.
Enfim, em Flag Day, Sean Penn mostra ousadia. Joga com essa escolha muito pessoal do elenco, e varia bastante o estilo de filmar com o intuito de representar o que sente a protagonista. Mas, erra no uso do prólogo, e o todo carece de uma unidade capaz de construir uma protagonista mais forte. A impressão que fica é que Sean Penn não se decidiu entre apresentar um personagem muito peculiar (John) ou focar nos efeitos dele em sua filha Jennifer.
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Ficha técnica:
Flag Day – Dias Perdidos | Flag Day | 2021 | 109 min. | Reino Unido, Canadá, EUA | Direção: Sean Penn | Roteiro: Jez Butterworth, John-Henry Butterworth | Elenco: Dylan Penn, Sean Penn, Katheryn Winnick, Jadyn Rylee, Beckam Crawford, Regina King, Josh Brolin, Bailey Noble, Hopper Penn, Eddie Marsan.