Fresh retrata o medo feminino de virar refém num cativeiro de um psicopata que parece ser o par ideal. É a proposta da roteirista Lauryn Kahn e da diretora Mimi Cave, cineastas em início de carreira. Apesar de esse temor já não ser exclusivo das mulheres, o empoderamento dita o desenvolvimento do enredo deste filme.
Por isso, na primeira parte compartilhamos a indignação de Noa (Daisy Edgar-Jones) quando um encontro arranjado através de um aplicativo de relacionamento se revela um embuste. O rapaz só queria mesmo jantar de graça. Para piorar, é ainda um grosseiro. Abre-se caminho, então, para as primeiras demonstrações de empoderamento feminino. Noa pratica boxe junto com sua melhor amiga Mollie (Jojo T. Gibbs). Ao comentar sobre o date frustrado, elas bradam que não precisam de nenhum homem. Apesar disso, Noa se deixa envolver com um homem que a galanteia em um supermercado. A ponto de aceitar viajar com ele poucos dias após conhecê-lo.
O filme revela gradativamente as más intenções de Steve (Sebastian Stan). Primeiro, pelo sutil recurso, já estabelecido desde o cinema clássico, do espelho. Na cabeceira, após transar com Noa, vemos o seu reflexo, indicando o seu duplo. Aliás, o sexo em si é filmado com enquadramentos estranhos e câmera trêmula, longe do clima romântico que apareceria em outro tipo de filme. Mas é na estrada que a música sinistra surge e estabelece a suspeita de algo estranho. Então, só nesse instante, com aproximadamente trinta minutos de filme, surge o título na tela. Logo, o medo se concretiza pouco depois que eles chegam à casa de Steve. E o próprio nome do filme já dá as pistas de que tipo de horror esse vilão é capaz.
Cativeiro
Assim, Fresh entra no subgênero do filme de cativeiro. Lembramo-nos do terror de O Colecionador (The Collector, 1965), de Mártires (Martyrs, 2008), de O Quarto de Jack (Room, 2015). O detalhe macabro que diferencia este de outros exemplares da mesma linha se revela aos poucos. O filme trabalha eficientemente essa disponibilização a conta-gotas do crime hediondo por trás de tudo. Não pelas palavras de Steve, que logo entrega tudo para Noa, pois está seguro que ela nada pode fazer. Mas para o espectador as imagens da violência gráfica ficam na elipse. Vemos membros já cortados, mas não o ato em si. Por isso, o filme não chega a assustar como num slasher, que o enredo incorpora somente na parte final.
Contribui para isso a caracterização de Steve mais como um assassino calculista que lucra com seu crime do que como um matador sanguinolento. Na tela, vemos Steve dançando e cantando enquanto comete atrocidades. Sua imagem de sedutor continua preservada até o fim. Ao mesmo tempo, mais espelhos denunciam seu Doppelgänger. Enquanto isso, acompanhamos Noa executando friamente seu plano de seduzir o seu algoz. Sim, ela também utiliza o seu duplo, adicionando estranheza à narrativa.
Dessa forma, Fresh consegue sustentar um clima de permanente suspense. Além disso, apresenta as investigações de Mollie, a esperta amiga de Noa. E esse caminho igualmente aumenta os elementos esquisitos ao redor de Steve.
Slasher
Mas, na parte final, Fresh cai em algumas armadilhas do slasher. Ou seja, personagens que não agem com inteligência (por que desperdiçam a oportunidade de ferir mais gravemente o agressor?). Alguns elementos dispensáveis ainda atrapalham a trama, como o motorista fortão (que poderia impedir a fuga) que logo some do filme, sem nada acrescentar. Além disso, a trama escorrega para um humor desnecessário, apenas para levantar a bandeira do empoderamento feminino. Nesse sentido, estamos falando do bartender que se propõe a ajudar Mollie, mas que resolve ir embora porque fica com medo.
Enfim, Fresh (ou seria “flesh”?) constrói uma protagonista forte, um vilão menos ameaçador do que deveria ser, e um mistério envolvendo em relação aos crimes. Cai na parte final, mas mesmo assim vale pelos bons momentos de suspense.
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Ficha técnica:
Fresh | 2022 | 114 min | EUA | Direção: Mimi Cave | Roteiro: Lauryn Kahn | Elenco: Daisy Edgar-Jones, Sebastian Stan, Jojo T. Gibbs, Andrea Bang, Dayo Okeniyi, Charlotte Le Bon, Brett Dier, Alina Maris.