Guerra Fria corrobora o talento do diretor polonês Pawel Pawlikowski, cujo filme anterior, Ida (2013), ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro. Esse seu novo trabalho foi indicado ao Oscar nessa categoria e Pawlikowski concorreu como melhor diretor.
Guerra Fria guarda muitas semelhanças com Ida. A belíssima fotografia em preto e branco de Lukasz Zal (também indicado ao prêmio da Academia) é a primeira qualidade que salta aos olhos do espectador. Ainda mais quando Pawlikowski abre com um close de dois músicos amadores cantando e tocando música folclórica olhando diretamente para a câmera, requisitando toda a atenção do público.
Polônia do pós-guerra
Novamente, a estória se passa na Polônia do passado, desta vez no pós-guerra, com início em 1949. O produtor musical Wiktor (Tomasz Kot) realiza uma turnê pelo país em busca de músicos de raiz para compor um espetáculo de teatro. Nessa busca, ele se encanta com Zula (Joanna Kulig), e a recruta para moldar seu talento como cantora e dançarina do seu grupo chamado Mazurek. Nas apresentações, Zula se torna uma das principais artistas, e uma forte paixão cresce entre os dois. Tudo vai bem até que o regime stalinista obriga a trupe a ser ferramenta para propaganda política. Então, Wiktor resolve fugir para a França, mas Zula prefere não se arriscar. Os anos se passam e o casal volta a se encontrar em algumas ocasiões, em diferentes lugares. Porém, o amor entre os dois sofre com esse obstáculo que se ergue entre eles.
Aliás, a proporção dos planos que chamou tanto a atenção em Ida se destaca também em Guerra Fria. Nesse sentido, Pawlikowski coloca os atores na parte inferior da tela, deixando um amplo espaço acima da cabeça dos personagens. Se em Ida isso representava o espiritualismo dos protagonistas, aqui a sensação é de vazio, uma lacuna que nasce da impossibilidade de florescer o amor do casal central. De fato, esse espaço é ainda mais evidente quando Zula grava seu primeiro disco em um estúdio. Ela interpreta a música sem nenhuma inspiração, o que resulta na crítica de Wiktor para essa frieza.
Estrutura e direção
Além disso, Guerra Fria possui uma estrutura episódica, que acentua a irregularidade do relacionamento do casal ao longo do tempo. Separados por abruptos fade outs, o filme registra apenas os momentos em que Wiktor e Zula se encontram, seja na Polônia, na Iugoslávia, em Paris ou em Berlim. Assim, os fade outs substituem as tradicionais superposições de imagens como efeito de transição do tempo.
Fugindo do cinema clássico, o diretor Pawlikowski continua a requerer o interesse do espectador. Assim, muitas vezes, ele prolonga o plano, e permanece com a câmera sobre um personagem após o momento de corte tradicional. Dessa forma, cria um incômodo para quem assiste, equivalente a quando conversamos com uma pessoa que nos fita fixamente nos olhos. Por outro lado, o diretor deixa a câmera mais leve, movimentando-a em cenas como a da dança animada do casal em Paris ou quando Zula dança rock and roll. Em certo momento, a câmera gira 360 graus ao redor de Zula enquanto ela canta, como se estivesse apaixonada pela cantora.
Pontos de vista
Durante quase todo o filme, acompanhamos a estória sob o ponto de vista de Wiktor. Com isso, nos solidarizamos com o sentimento dele de decepção por Zula escolher não acompanha-lo para Paris. Porém, ao longo do filme, como a própria protagonista observa, Wiktor muda muito e num de seus posteriores encontros em Paris, ele se comporta com certa frieza. Nesse momento, o ponto de vista é de Zula, e, então, sentimos empatia com sua tristeza.
Numa das últimas cenas, Guerra Fria evoca a lenda de Fausto. Numa encruzilhada, os dois parecem acertar as contas com o diabo, como se o amor fracassado fosse o preço pago pelo sucesso artístico. Ou seja, a vida dos dois já está no fim e resta apenas passarem os últimos momentos juntos.
Enfim, Guerra Fria é quase tão bom quanto Ida. O mais relevante é a assinatura que Pawel Pawlikovski registra definitivamente como diretor autoral, com características marcantes, como a fotografia em preto e branco, o existencialismo e a temática regional.
Ficha técnica:
Guerra Fria (Cold War, 2018) Polônia/Reino Unido/França. 89 min. Dir: Pawel Pawlikowski. Rot: Pawel Pawlikowski, Janusz Glowacki. Elenco: Joanna Kulig, Tomasz Kot, Borys Szyc, Agata Kulesza, Cédric Kahn, Jeanne Balibar, Adam Woronowicz, Adam Ferency, Drazen Sivak, Slavko Sobin, Aloïse Sauvage.