Na filmografia de Guy Ritchie, Guerra Sem Regras se posiciona entre o seu cinema visceral (Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes, Rock’n’Rolla, Magnatas do Crime) e os seus filmes inofensivos (Rei Arthur: A Lenda da Espada, Aladdin, O Agente da U.N.C.L.E.). Nessas duas facetas, fez filmes brilhantes e outros nem tanto, mas sempre com resultados acima da média.
Guerra Sem Regras afirma se inspirar em eventos reais que aconteceram durante a Segunda Guerra Mundial. O primeiro-ministro britânico Winston Churchill, junto com Gubbins (mais conhecido como ‘M’) e Ian Fleming organizam uma operação secreta (apelidada de The Ministry of Ungentlemanly Warfare) para afundar um navio que abastece as tropas alemãs. Para a missão, recrutam especialistas não oficiais, como Gus March-Phillips, Anders Lassen, Geoffrey Appleyard, Marjorie Stewart, Heron, e outros.
Matando com um sorriso
O filme mescla comédia e violência extrema e, por esse tom e esse tema, lembra Bastardos Inglórios (2009), de Quentin Tarantino. Assim, o primeiro líder nazista que aparece na trama, aquele que sobe no barco de Gus (Henry Cavill) e Lassen (Alan Ritchson), beira o caricato de tão odioso. E, bem no estilo tarantinesco, esse vilão logo recebe o troco que merece, para fisgar o público já desde esse prólogo (que é um flash forward). Depois, surge o principal vilão nazista, Heinrich Luhr (Til Schweiger), igualmente repugnante, mas muito inteligente – e que permanece no enredo até o final.
Mas, se por um lado os nazistas são obviamente malvados, os mocinhos também não ficam longe. Gus e Lassen, com sorrisos nos seus rostos, matam os inimigos a rodo, com metralhadoras ou com o arco e flechas de Lassen, que é tão forte que seus disparos atravessam os corpos alvejados e acertam quem está atrás. Os demais membros do grupo também atacam de forma equivalente, mas permanecem sempre num segundo nível de protagonismo.
Marjorie Stewart (Eiza González) e Heron (Babs Olusanmokun) agem, na maior parte das vezes, em paralelo. Usam mais a astúcia que a violência, mas também são assassinos impiedosos. Guy Ritchie continua um ótimo diretor de cenas de ação, mas o trecho mais empolgante é o golpe que esses dois personagens aplicam numa turma de nazistas em um trem. O fundo musical, um jazz com a bateria em destaque, coloca um toque de refinamento nessa armação para roubar uma valise com informações importantes.
Personagens sem carisma
Porém, a Marjorie de Eiza González não consegue ser tão sensual quanto o roteiro pede. Talvez porque o filme é bem recatado em relação a sexo, limitação que impede a atriz de ousar ser mais sedutora. O que, na verdade, não deveria ser um obstáculo, basta ver vários filmes clássicos de meados do século 20 com personagens femininas esbanjando sedução (bastar nos lembrarmos das femme fatales do filme noir).
O protagonista Gus, interpretado por Henry Cavill, também carece de magnetismo. Seu próprio visual, com bigode e camisa largas, atrapalha a empatia com esse personagem que conta piadas e ri o tempo todo, enquanto mostra um lado selvagem, como ao arrancar o coração de um inimigo com as próprias mãos.
Outras figuras também desagradam. É o que acontece com Churchill (Rory Kinnear), numa imitação tão ruim que parece uma paródia de programa humorístico. A bem da verdade, nenhum personagem cativa o espectador. Junte a esse problema o fato de o enredo perder o fôlego quando os heróis descobrem que o alvo não pode ser afundado. Sendo uma obra de ficção, caso esse obstáculo de fato tenha ocorrido, a melhor solução seria ignorá-lo e manter a possibilidade de criar um final apoteótico. O plano B que está no filme é para lá de frustrante.
Guerra Sem Regras não passa de um filme de encomenda para Guy Ritchie. O roteiro pouco inspirado em relação à trama e aos seus personagens, pelo menos, sobrevive graças à habilidade do diretor de filmar cenas de ação viscerais, onde a violência irrompe de maneira inesperada, embora abafadas pela insistência em injetar um desnecessário humor.
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Ficha técnica:
Guerra Sem Regras | The Ministry of Ungentlemanly Warfare | 2024 | 122 min. | EUA, Reino Unido, Turquia | Direção: Guy Ritchie | Roteiro: Paul Tamasy, Eric Johnson, Arash Amel, Guy Ritchie | Elenco: Henry Cavill, Alan Ritchson, Alex Pettyfer, Eiza González, Babs Olusanmokun, Cary Elwes, Hero Fiennes Tiffin, Henry Golding, Rory Kinnear, Freddie Fox.