O clássico do suspense sul-coreano Hanyo, a Empregada prenuncia a crítica ao conflito entre classes sociais e ao materialismo retratado em Parasita (2019), de Bong Joon Ho. Acima de tudo, nesses dois filmes paira uma descrença na humanidade.
No longa do versátil diretor Kim Ki-young, nenhum personagem é inocente. O professor de música Dong-sik inicia o filme como um rigoroso defensor da moralidade quando denuncia uma aluna que lhe escreve uma declaração de amor. Com dois filhos pequenos e uma esposa grávida, Dong-sik se muda para uma casa maior. Lá, a família contrata uma nova empregada, Myung-sook, que seduz o professor. Após engravidar dele, os patrões a obrigam a realizar um aborto. A partir daí, ela se torna uma parasita na casa, ameaçando revelar o crime para a polícia.
Nem a esposa se salva nessa história. Materialista, foi dela a ideia de se mudar para uma casa maior, e ainda continua a comprar mais bens, como uma televisão, agravando a difícil situação financeira da família. Sua racionalização, além disso, leva a decisões como o aborto e o acobertamento a qualquer custo do adultério e do crime.
Por outro lado, Myung-sook também sofre. Além do aborto, e da paixão não correspondida por Dong-sik, ela também sofre humilhações do menino da casa, por conta de sua condição de empregada. Esse garoto, aliás, ainda judia da irmã que tem deficiência nas pernas. E embora a menina seja a menos maldosa dessa turma, ela também apela para seu lado sinistro ao tentar envenenar a empregada, quando esta já domina toda a família.
Terror noir
A direção de Kim Ki-young é primorosa. No início do filme, seu estilo lembra Alfred Hitchcock, ao empregar vários movimentos de câmera sobre trilhos, em detrimento de uma câmera fixa. Além disso, constrói o cenário da trama através de cenas do cotidiano que levam a uma situação dramática. Por exemplo, a brincadeira das garotas que acaba na suspensão de uma delas. Já dentro da casa nova da família, características do film noir se sobressaem. Para começar, o filme tem uma femme fatale das mais terríveis. A própria arquitetura tem função noir, pois a escada predomina como elemento mais forte desse local. No centro, a escada separa a empregada e a família. Apesar de ser de classe social inferior, Myung-sook vive no andar de cima, o que sinaliza quem, de fato, tem mais poder nesse conflito.
A trilha sonora estridente ressalta o suspense e os instantes de terror. A presença assustadora de Myung-sook, sempre à espreita, é suficiente para provocar vários arrepios. Em mais de uma cena, ela observa pela porta de vidro que dá para a sacada. Do exterior, olhando para dentro, as grades da porta simbolizam a cela na qual o marido se encontra, preso nessa cilada na qual ele mesmo se meteu.
Por fim, o desfecho é desconcertante. Talvez não agrade a todos a solução similar a O Gabinete do Dr. Caligari (1920), de Robert Wiene, mas é incontestável que surpreende.
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Ficha técnica:
Hanyo, a Empregada | Hanyo | 1960 | 109 min | Direção e roteiro: Kim Ki-young | Elenco: Jin Kyu Kim, Jeung-nyeo Ju, Eun-shim Lee, Aeng-ran Eom, Seon-ae Ko, Sook-Rang Wang.