Mais um filme adulto de Vincente Minnelli, Herança da Carne (Home from the Hill), também conhecido como A Casa da Colina, revela a transformação do diretor em relação a sua visão do mundo. A família disfuncional deste filme se opõe completamente ao grupo unido e feliz de Agora Seremos Felizes (Meet Me in St. Louis, 1944), lançado 16 anos antes.
Wade, o terrível
Em uma cidadezinha do interior, o bem-sucedido empresário rural Wade Hunnicutt (Robert Mitchum) ganhou justificada fama de mulherengo inveterado. Seu comportamento produziu um filho ilegítimo, Rafe (George Peppard), que ele insiste em não reconhecer, mas a quem garante o sustento como seu empregado. Quando sua esposa Hannah (Eleanor Parker) descobriu sobre esse filho e esse lado sombrio do marido, quatro meses após o nascimento do filho único do casal, Theron (George Hamilton), ela se fechou a ele.
Ainda assim, os dois se mantêm casados, para o bem do filho. Até agora, a mãe tomou a frente na criação de Theron, assim evitando que ele se influenciasse com as atitudes machistas do pai. Porém, ele ganhou o apelido de “mama’s boy” na comunidade. Além disso, aos 17 anos, ele ressente a falta das atividades de um rapaz de sua idade. É a oportunidade de seu pai assumir o controle, e manda Rafe o ensinar a caçar. Theron toma gosto pela coisa, e passa por uma perigosa iniciação. Logo, seu interesse se volta para as garotas. Novamente com a ajuda de Rafe, se envolve com Libby (Luana Patten). Mas o pai dela, receoso de que Theron seja um mulherengo como o pai, proíbe o namoro.
Dessa forma, abrupta, Theron descobre essa faceta do pai, e quem é o seu meio-irmão. Inseguro, por causa de sua educação dividida (a mãe tentando criar um filho respeitoso e íntegro, e o pai influenciando a ter atitudes machistas), ele se abala emocionalmente. Como consequência, toma decisões erradas.
Machismo tóxico
Em Herança da Carne, os erros do passado são um obstáculo para a felicidade no presente. Apesar das tentativas de reaproximação de Wade, sua esposa Hannah não baixa sua guarda. Aliás, ele faz por merecer, pois continua a procurar as sirigaitas da cidade. E a má fama, por fim, significará a tragédia de Wade e, ao mesmo tempo, uma mancha na vida de Theron.
Herança da Carne reforça a aversão de Vincente Minnelli ao machismo tóxico. Ideia que ele defendeu em outros filmes, como em Chá e Simpatia (Tea and Sympaty, 1956), cujo protagonista sofria bullying por só se interessar por “coisas de mulheres”. Wade personifica o machão, que se orgulha de pegar um monte de mulheres, mesmo as casadas, assim como gosta de caçar e exibir a cabeça dos animais mortos em sua casa. Despreza a esposa, e a sua tentativa de reaproximação vem tarde demais. E nem dá para dizer que essa tentativa era sincera, pois o personagem nunca sai da imoralidade – prova disso é que ele não reconhece o filho fora do casamento. Aliás, ele nem enxerga seus erros, por isso quer que o filho siga os seus passos, pelo menos na caça.
Por outro lado, Minnelli apresenta um modelo de integridade: o personagem Rafe, vivido por George Peppard. Ele sempre se manteve leal a Wade, mesmo que este nunca o reconhecesse como filho. E, ainda, foi um mentor e irmão mais velho para Theron. Além disso, resolveu se casar com Libby para livrá-la de um problemão e, por fim, ainda conforta Hannah. Seu amor incondicional se equipara ao que oferece a personagem de Shirley MacLaine em Deus Sabe Quanto Amei (Some Came Running, 1958). São os anjos de Minnelli.
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Ficha técnica de “Herança da Carne”:
Herança da Carne / A Casa da Colina | Home from the Hill | 1960 | 150 min | EUA | Direção: Vincente Minnelli | Roteiro: Harriet Frank Jr., Irving Ravetch | Elenco: Robert Mitchum, Eleanor Parker, George Peppard, George Hamilton, Everett Sloane, Luana Patten, Anne Seymour, Constance Ford, Ken Renard, Ray Teal.