Os seis(!) roteiristas de “Homem-Aranha: De Volta ao Lar” repaginam a estória do super-herói aracnídeo ao definirem um Peter Parker com apenas 14 anos. E essa escolha define os melhores e os piores momentos do filme.
Felizmente, não se reconta aqui a origem do herói, como fizeram as versões anteriores dos filmes sobre o Homem Aranha, protagonizados por Tobey Maguire e Andrew Garfield. Isso porque a estória começa após a participação dele em “Capitão América: Guerra Civil”, inserindo alguns flashes desse momento.
Antenado com os adolescentes
Acima de tudo, “Homem-Aranha: De Volta ao Lar” se inicia muito antenado com a geração adolescente atual, à qual esse Peter Parker pertence.
Copiando a linguagem dos youtubers, o garoto filma a si mesmo com seu celular, sob a condução de Happy Hogan (Jon Favreau) e Tony Stark (Robert Downey Jr.), que o inicia na carreira de combatente do crime, como se fosse seu mentor. Esse recurso com certeza fisga os espectadores da mesma idade, e essa identificação com esse público parece ser o maior objetivo dos produtores do filme.
Assim, essa abordagem resulta em um Homem-Aranha ainda despreparado, incapaz de manusear seus poderes e imaturo para tomar decisões. Por isso, após as aulas na escola, quando veste o uniforme criado por Tony Stark, suas ações heroicas se resumem a recuperar pequenos furtos, como o de uma bicicleta, ou somente dar informações de como chegar a um endereço. Aliás, quando interfere em um roubo a um banco, as consequências beiram a tragédia. Seu brilhantismo nerd na escola não condiz com a inépcia em aprender como usar os recursos ultramodernos de seu uniforme computadorizado, o que revela o exagero na caracterização de sua fragilidade adolescente.
Um bobalhão
De fato, o tom é quase de paródia. O Homem-Aranha parece um bobalhão que não consegue nem se locomover com sua teia, caindo sobre caixas de lixo quando fracassa na tentativa. Ao desobedecer ao seu mentor e agir por conta própria contra o vilão Abutre, o Homem de Ferro precisa constantemente resgatá-lo. A intenção da estória seria colocar um ponto de virada quando o herói se levanta das ruínas que o soterraram. Porém, no duelo final ele é derrotado pelo vilão, que se destrói por seus próprios erros.
Para piorar, nessa sequência há um bom mocismo forçado quando o Homem Aranha tenta salvar o Abutre. A justificativa para a fragilização do aracnídeo pode ser o conceito de que esse seria o resultado mais provável se um rapaz muito jovem recebesse de repente superpoderes. Porém, qual fã gosta de ver seu herói em situação tão ridícula?
Direção e elenco
O diretor Jon Watts repete o erro de inserir cenas de ação com velocidade acelerada, como se temendo que os efeitos especiais não funcionassem. Com isso, os cortes demasiadamente rápidos dificultam a captação pelos olhos humanos e a transmissão dessas informações ao cérebro. Consequentemente, fica difícil compreender o que acontece na tela nessas sequências. Watts deveria aprender com Patty Jenkins, que, em sentido contrário e com ótimos resultados, inseriu slow motion em “Mulher-Maravilha”.
Por outro lado, o ator Tom Holland transmite a insegurança de Peter Parker que o roteiro exige. Então, não é sua culpa que ele não tem a oportunidade de mostrar o lado mais heroico do Homem-Aranha, o que talvez surja na continuação, que certamente virá. A escalação de Michael Keaton é o grande achado do filme. E não só porque personifica o cinismo e o perigo latente do vilão Vulture, mas, também, porque dialoga com um marco do gênero, como intérprete do super herói em “Batman” (1989), de Tim Burton. Da mesma forma, com “Birdman” (2014), de Alejandro González Iñárritu, onde seu personagem era um ator marcado por interpretar o herói do filme, que possuía asas como seu vilão em “Homem Aranha: De Volta ao Lar”.
Quanto à escolha de Marisa Tomei como Tia May, perde-se a fragilidade e a constante preocupação do Homem Aranha com sua saúde, um aspecto psicológico essencial na caracterização do personagem. Quando a atriz interpretou esse papel em “Capitão América: Guerra Civil” a sua sensualidade se destacou, inclusive abordada por Tony Stark. A impressão que se tem é que resolveram abandonar essa característica, salvo o comentário do dono da mercearia onde Peter Parker compra um sanduíche, porque o figurino de Marisa Tomei parece o de uma senhora de idade.
Um herói em construção?
Enfim, temos a impressão que a intenção dos produtores é realizar uma longa série de filmes com a evolução gradual do Homem-Aranha. Ou seja, tal como foi feito com Harry Potter. Nesse sentido, conseguimos compreender o motivo de o filme se encerrar com um herói ainda incapaz de derrotar um vilão como Vulture. Porém, se não é essa a intenção, o filme erra em enfatizar demasiadamente a sua fraqueza e não fechar com uma vitória triunfal sobre seu oponente. Por ora, o que temos em mãos é um filme com cenas de ação mal montadas e um herói patético abordado como uma paródia.
Ficha técnica:
Homem-Aranha: De Volta ao Lar (Spider-Man: Homecoming, 2017) EUA, 133 min Dir: Jon Watts. Rot: Jonathan Goldstein, John Francis Daley, Jon Watts, Christopher Ford, Chris McKenna, Erik Sommers. Com Tom Holland, Michael Keaton, Robert Downey Jr., Marisa Tomei, Jon Favreau, Gwyneth Paltrow, Zendaya, Donald Glover, Tony Revolori, Laura Harrier, Stan Lee. Sony Pictures