Inimiga Perfeita decola promissor, mas perde o rumo e realiza um pouso forçado numa pista já usada em excesso.
A parte inicial acerta ao construir o protagonista, Jeremiasz Angust (Tomasz Kot), como um ser irritantemente perfeito. Um dos arquitetos que construiu o aeroporto de Paris, ele chega ao cúmulo de fazer uma palestra sobre o livro que publicou sobre perfeição. Assim, o espectador experiente já desconfia que ele deve esconder algum defeito secreto. E, a dica vem do seu sócio, a partir da aliança que Angust ainda usa de um amor perdido há 20 anos.
Eis que surge, no seu caminho para o aeroporto, um novo personagem ainda mais irritante. Ela é Texel Textor (Athena Strates), uma jovem a quem Angust dá carona no táxi e que dentro do aeroporto não desgruda dele e não para de falar. Esse é o momento mais instigante do filme, pois as histórias da garota nos fazem suspeitar que ela é uma psicopata. Com isso, temos a situação do protagonista em perigo, que pode render um bom suspense.
No entanto, as aparições de Texel se tornam cada vez mais absurdas, como no episódio em que entra no banheiro masculino sem ser notada. Então, Inimiga Perfeita cai numa solução previsível e desgastada. Para piorar, com a revelação, descobrimos que as peças da trama não se encaixam como deveriam. Pelo lado positivo, ficam as belas associações entre a maquete do aeroporto e os acontecimentos do enredo.
Spoilers adiante
Inimiga Perfeita é mais uma variação dos filmes em que o protagonista é atormentado por uma culpa do seu passado. Aqui, o roteiro opta pelo caminho da alucinação, materializada em Texel, que Angust acredita ser real. Em certo ponto, temos a impressão de que o filme nos surpreenderá revelando que a moça é a filha do arquiteto, mas isso não se concretiza. A solução é mais simples e óbvia, Texel é a consciência que o atormenta por ter assassinado sua esposa num crime perfeito. Nunca foi condenado por isso, porém, a consciência o persegue.
Porém, o problema não é a falta de originalidade, mas a fraqueza do roteiro, que não se sustenta quando revisto após conhecermos o seu desfecho. O que, quando escrito com competência, não acontece. Por exemplo, em O Sexto Sentido (The Sixth Sense, 1999), escrito e dirigido por M. Night Shyamalan, o enredo se mantém coerente quando revisto com a perspectiva do personagem já morto.
Revendo o filme
Na revisão de Inimiga Perfeita, fica evidente que a infância de Texel existe para induzir a suspeita de que ela é uma psicopata. Além disso, algumas sequências ficam sem sentido, como o trajeto de taxi até o aeroporto com a viagem sendo interrompida pela moça imaginária. Enfim, pelo menos o filme foge do final moralista. Na última cena, Angust vence Texel, e com a consciência limpa volta ao seu assento no avião, e vê suas mãos se tornando limpas. Essa inversão de valores se reflete na ordem dos créditos finais, que são apresentados de baixo para cima, e não de cima para baixo como é de praxe. Nesse ponto, o roteiro sai do lugar comum.
O diretor espanhol Kike Maíllo realizou antes três longas. O elogiado Eva – Um Novo Começo (Eva, 2011), e o criticado Tú y Yo (2014) e o mediano Toro (2016). Aqui, ele tenta salvar o filme com criativas soluções visuais, mas elas são insuficientes para salvar o roteiro frágil.
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Ficha técnica:
Inimiga Perfeita | A Perfect Enemy | 2020 | 89 min | Espanha, Alemanha, França | Direção: Kike Maíllo | Roteiro: Cristina Clemente, Kike Maíllo, Fernando Navarro, Amélie Nothomb | Elenco: Tomasz Kot, Athena Strates, Dominique Pinon, Marta Nieto, Freyja Simpson.