O diretor Aly Muritiba ganhou notoriedade levando temas sérios e atuais para as telas em dramas contundentes. Ferrugem (2018) retratou o perigo das redes sociais quando mal utilizadas. E Deserto Particular (2021) mostrou o amor vencendo a homofobia. Desta vez, em Jesus Kid Muritiba arrisca a comédia, gênero inédito em sua filmografia.
A atualidade continua presente. Jesus Kid traz várias críticas implícitas ao mandato do atual presidente do Brasil, Jair Bolsonaro. Num presente distópico, a censura está de volta, e o Ministro da Educação é um militar que exige uma nova produção literária no país. Por isso, o protagonista Eugênio (Paulo Miklos) terá que interromper sua série de livros de faroeste com o personagem Jesus Kid. Encomendam-lhe que seja o ghost writer da autobiografia do presidente, mas ele recusa. Prefere, ao invés disso, se sujeitar a escrever um roteiro sobre um escritor confinado em um hotel que sofre de falta de inspiração. Mas, o Ministro se envolve também no cinema, e Eugênio sofre ameaças para mudar o filme e, por fim, escrever a biografia.
Delírios de Muritiba
A trama lembra, em sua essência, Barton Fink, Delírios de Hollywood (1991), de Joel & Ethan Coen. O estilo, então, lembra mais ainda. O próprio personagem do diretor do filme já entrega a referência, citando o seu nome quando reunido com o produtor e Eugênio em um restaurante que parece saído do longa dos Coen. O longo quarto do hotel, da mesma forma, é quase uma paródia. E a violência explode sem sutileza, retratando o grafismo pulp fiction de Quentin Tarantino, que os Coen também assumiram. Apesar da cópia descarada, esses aspectos poderiam funcionar com a desculpa de uma homenagem.
Mas Muritiba foge do humor ácido de Barton Fink, e parece buscar o tipo de comédia dos programas que agradam aos espectadores da televisão aberta. Por isso, o visual é multicolorido, e a onipresente trilha musical clichê força risadas que se recusam a aparecer, infantilizando indevidamente um filme que traz até nudez frontal. No mesmo sentido, os personagens são caricatos.
Jesus salva?
O enredo ainda falha ao não definir se a materialização do personagem dos livros, Jesus Kid, fica só na imaginação do escritor, ou se, como em A Rosa Púrpura do Cairo (1985), ele vai para o mundo real. Em alguns momentos, o pistoleiro do faroeste reflete o que Eugênio gostaria que acontecesse (matar os agentes do governo, escrever o roteiro, ajudar a conquistar a enfermeira). Porém, nada disso é real, como comprova a visão sob a perspectiva do funcionário do hotel, que só vê Eugênio e a enfermeira na cama, sem a companhia de Jesus Kid, como vimos antes; aliás, numa cena bem confusa, pois de quem era o ponto de vista inicial se o escritor estava dormindo? No entanto, a conclusão pouco satisfatória conta com os efeitos concretos desse personagem que saiu dos livros.
Enfim, Jesus Kid é uma empreitada arriscada de Aly Muritiba que não vingou. Não acerta o tom, critica superficialmente, beira a cópia, e não faz sentido algum.
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Ficha técnica:
Jesus Kid | 2021 | 88 min | Brasil | Direção: Aly Muritiba | Roteiro: Laura Malin, Aly Muritiba | Elenco: Paulo Miklos, Sergio Marone, Maureen Miranda, Leandro Daniel, Luthero Almeida, Fábio Silvestre, Gabriel Gorosito.
Distribuição: Olhar.