Kill – O Massacre no Trem, de Nikhil Nagesh Bhat, é mais um filme das Índias a chegar ao público brasileiro. Digo no plural porque a produção da Índia é muito vasta e cada região tem suas particularidades, sua língua e suas preferências cinematográficas, mesmo que nos últimos tempos essas diferenças tenham diminuído.
Em sua trama muito simples, mero pretexto para cenas incessantes de lutas muito violentas, um grupo de mercenários invade um trem nas proximidades de Nova Deli e é enfrentado por dois soldados de elite à paisana. Quase todo o filme se passa dentro do trem. O título surge na tela somente depois de 45 minutos. A matança corre solta, mas o fato de serem soldados dá um ar oficioso à luta, mesmo que pela vingança um deles se transforme em um monstro capaz de arrebentar a cabeça de um homem com um extintor de incêndio (como em Irreversível, de Gaspar Noé).
Não me importa que os personagens masculinos, exceto idosos e crianças, sejam praticamente imortais, levando porrada e sofrendo cortes de lâminas de todos os lados e lutando como se tivessem ainda superpoderes. Ou que os diálogos sejam quase sempre risíveis. Tudo isso e mais um pouco faz parte dos códigos do gênero ação. Entendo como muito mais problemático o modo chantagista como se mostra um dos soldados ou passageiros do trem observando as pessoas de que gosta sendo assassinadas, em alguns dos planos de reação mais ridículos do cinema recente. Ou a música melosa que entra quando os mocinhos são assassinados ou gravemente feridos. É um padrão de observação e catarse que o filme meio que adota sem muita vergonha, seguindo um padrão do cinema de ação indiano contemporâneo. Igualmente, o uso da câmera lenta me pareceu um dos piores do cinema recente, como o de outro filme indiano recente, Jawan, de Atlee.
A língua falada, como em Jawan, é o hindi, a oficial indiana, falada em toda a região da capital. RRR, um dos maiores sucessos do cinema indiano recente, é falada em telugo, logo pertence à Tollywood, embora represente uma ideia de cinema pan-indiano (e, por isso, seus melhores momentos são aqueles que se identificam com a Bollywood). Os filmes de Satyajit Ray, o mais celebrado dos cineastas do país, são falados em bengali. O cinema malayala (da região de Kerala) teve uma excelente fase nos anos 1970, graças a cineastas como Adoor Gopalakrishnan e Givindan Aravindan. Várias regiões têm sua riqueza cinematográfica. O que está fazendo sucesso hoje, até onde pude ver, não representa o que de melhor cada uma delas ofereceu ao cinema.
Na preferência do espectador mais escolado, sai o blockbuster americano, com suas cenas de luta enfadonhas, sentimentalismo barato e trilhas sonoras genéricas, entra o blockbuster indiano, com suas cenas de ação enfadonhas, sentimentalismo barato e trilhas sonoras genéricas. Na direção, a mesma busca pela catarse dos piores blockbusters americanos (quase todos hoje em dia). Mas tem o elemento do exotismo, do diferente. Puro verniz.
“Enfadonho e genérico é você, crítico ranzinza”. Pode ser. Sempre lido bem com a possibilidade de estar errado. Falar para ficar bem na turma ou parecer estar na moda, jamais. Não entendo essa moda atual pelos cinemas das Índias, numa bem-sucedida estratégia da Netflix, principalmente, que aposta no exotismo e no mais do mesmo disfarçado de novidade dessas produções. Meu conhecimento do cinema indiano deste século ainda é pobre, mas se eu me basear no que alguns amigos mais conhecedores elogiam, sinceramente, não dá muita vontade de ir além.
Texto escrito pelo crítico e professor de cinema Sérgio Alpendre, especialmente para o Leitura Fílmica.
___________________________________________
Ficha técnica:
Kill – O Massacre no Trem | Kill | 2023 | Índia | Direção: Nikhil Nagesh Bhat | Roteiro: Nikhil Nagesh Bhat, Ayesha Syed | Elenco: Lakshya, Raghav Juyal, Tanya Maniktala, Abhishek Chauhan, Ashish Vidyarthi, Pratap Verma.
Distribuição: Paris Filmes.