Mais uma vez, o gorila gigante Kong chega aos cinemas. E “Kong: A Ilha da Caveira” surpreende. O diretor Jordan Vogt-Roberts, experiente em produções para televisão, recheou este seu segunda longa metragem para a tela grande com visual caprichado e recursos narrativos inteligentes, causando um impacto que supera as expectativas.
A nova aventura
Na estória, o cientista Bill Randa (John Goodman) consegue liberação para uma expedição exploratória à misteriosa Ilha da Caveira, onde vários aviões e barcos desapareceram. Estamos em 1973, quando os Estados Unidos declaram o fim da Guerra do Vietnã. Por isso, o Coronel Packard (Samuel L. Jackson) se sente aliviado por comandar a tropa que acompanhará o grupo de Randa. Afinal, ele adora estar no campo de combate e o fim da guerra significava para ele um futuro aborrecido. Juntam-se a eles o habilidoso James Conrad (Tom Hiddleston) e a fotógrafa Mason Weaver (Brie Larson), entre outros.
Na ilha, encontram seres gigantescos e perigosos, com destaque para Kong, um gorila com tamanho de um prédio. A tribo local, que abriga um ex-piloto da Segunda Guerra Mundial, o americano Hank Marlow (John C. Reilly), considera Kong um deus. Hank ensina aos novos visitantes que Kong não é uma ameaça. De fato, ele ataca como autodefesa, como faz quando os americanos chegam com seus helicópteros bombardeando a ilha.
Na verdade, as criaturas perigosas da ilha são os terríveis skull crawlers (“lagartos da caveira”), gigantescos répteis que vivem abaixo do solo. Aliás, o povo Iwi endeusa Kong justamente porque ele é o único capaz de derrotar essas criaturas. Porém, o Coronel Packard quer se vingar de Kong pela morte dos soldados que ele matou na chegada à ilha.
Destaques
Logo no prólogo do filme encontramos a primeira indicação que estamos diante de uma obra realizada com esmero. É 1944, em uma ilha no Sul do Pacífico. A primeira cena posiciona o sol no centro do quadro e um homem caindo em direção à câmera. A fotografia acompanha o laranja e amarelo do sol, e o formato scope cresce na tela. Dois aviões de guerra caem ao solo, e os pilotos se salvam saltando de paraquedas. São inimigos, um americano e outro japonês. A areia da vasta praia dá a sensação de um deserto, e os dois se encaram para um duelo como num faroeste. As pistolas não acertam seus alvos, e o piloto oriental saca um sabre e persegue o oponente através da selva, até chegarem a um precipício.
O combate é duro, porém, o japonês domina e está prestes a enfiar seu sabre na garganta do inimigo quando uma enorme mão surge ao lado deles. Então, o reflexo na lâmina da espada permite ver uma imagem borrada de um símio gigantesco. Não vemos ainda o gorila integralmente. Por fim, a última cena é seu reflexo na íris do soldado, que se funde com o sol, e abre os créditos iniciais.
Certamente, não é a abertura padrão de um filme de ação qualquer. Além disso, os créditos também surgem integrados a uma apresentação rebuscada. É uma colagem de recortes de noticiários que revelam a passagem do tempo através dos acontecimentos mais relevantes, até chegar ao ano de 1973.
Kong no apocalipse
Ademais, sente-se o estilo de Francis Ford Coppola quando a estória chega ao Vietnã. A Saigon reconstruída em estúdio remete ao apuro visual de Coppola, com cores saturadas, um pouco de exagero na composição que aproxima a cena do artificialismo. A aproximação não é gratuita, porque nos localizamos onde o épico “Apocalypse Now” (1979) se passa. Por isso, toda a sequência com o início do recrutamento da equipe e com os soldados se preparando para a expedição é recheada de rock dos anos 70. De fato, o delírio do Tenente Kilgore, personagem de Robert Duvall no filme de Coppola, apreciando o cheiro da Napalm, se assemelha ao do Coronel Packard, que aqui comanda seus pilotos com mensagens motivacionais enquanto os helicópteros bombardeiam a ilha.
Então, após uma sobreposição jocosa de uma libélula com os helicópteros, ouvimos “Paranoid”. O hino antibelicista do Black Sabbath toca intensamente enquanto começa o bombardeio, que destrói a vegetação e os animais locais. Logo, Kong surge tão alto quanto um arranha-céu para atacar o que está destruindo seu lar. Kong é o Coronel Kurtz (Marlon Brando) de “Apocalypse Now”, o deus nessa ilha escondida. Ao final da batalha, com várias perdas em seu pelotão, Packard encara Kong olho no olho. O desejo de vingança está plantado, sem necessidade de qualquer expressão verbal.
Sem dúvida, o diretor Jordan Vogt-Roberts lida habilmente com essas mensagens imagéticas. No duelo final, ele enquadra Kong com o sol ao fundo dando-lhe uma auréola. Dessa forma, não deixa dúvidas de quem o filme considera o mocinho e o bandido na trama.
Personagens
Além desse interessante confronto entre o bem e o mal, a estória de “Kong: A Ilha da Caveira” acerta também ao evitar clichês para os papéis do cientista e da mocinha. John Goodman não representa o obstinado que deseja explorar as espécies únicas da ilha, que vimos em tantos filmes munido de falas para lá de enfadonhas. Pelo contrário, aqui ele é sensato e sabe até onde deve ir sua curiosidade científica. Por isso, chega a confrontar Packard.
E, Brie Larson (de “O Quarto de Jack”) não é explorada como a mulher sensual do grupo. Assim, Kong não tenta despi-la como fez na versão de “King Kong” de 1976 com Jessica Lange. Aliás, o filme nem aborda esse aspecto sexual. Na verdade, a característica feminina sublinhada é sua compaixão ao ajudar um animal ferido. Aliás, uma cena crucial para explicar o comportamento de Kong em relação ao grupo não militar de exploradores.
Porém, um aspecto merecia uma melhor elaboação. A figura do skull crawler parece exageradamente demoníaca, como uma caveira de animal revivida. Nesse ponto, um tradicional dinossauro poderia ser uma escolha melhor, que se encaixaria mais adequadamente com o reino animal da ilha.
Enfim, em meio a tantos filmes de ação com ritmo propositalmente acelerado, para que o espectador não tenha tempo de pensar, “Kong: A Ilha da Caveira” é uma rara exceção. Além das emocionantes e eficientes cenas de combates, o filme convida o espectador a tirar suas conclusões a partir da linguagem visual, narrativa própria do cinema.
Ficha técnica:
Kong: A Ilha da Caveira (Kong: Skull Island, 2017) EUA/China/Austrália/Canadá, 118 min. Dir: Jordan Vogt-Roberts. Rot: Dan Gilroy, Max Borenstein, Derek Connolly. Com Tom Hiddleston, Samuel L. Jackson, Brie Larson, John C. Reilly, John Goodman, Corey Hawkins, John Ortiz, Tian Jing, Toby Kebbell, Jason Mitchell, Shea Whigham, Thomas Mann, Eugene Cordero, Marc Evan Jackson, Will Brittain.
Assista: entrevista com Jordan Vogt-Roberts