Mistério, comédia e muito charme. Assim podemos qualificar Ladrão de Casaca (To Catch a Thief), filme de Alfred Hitchcock lançado em 1955. O charme vem da paradisíaca Riviera Francesa, onde acontece sua história, e do elenco, pois Cary Grant e Grace Kelly formam uma refinada dupla de protagonistas. E a trama envolve audaciosos roubos de joias de alto valor.
Mas por ser um whodunit, ou seja, um enredo que gira em torno da descoberta de quem é o culpado, Hitchcock precisa driblar as armadilhas desse subgênero que não lhe agrada tanto. Em seus filmes, ele prefere entregar a informação de quem é o criminoso ao espectador, que pode, assim, saber mais do que o(s) protagonista(s). Essa seria sua fórmula para criar o suspense. No entanto, aqui, o máximo que sabemos é que John Robie (Cary Grant) não é o responsável pela nova onda de roubos similares aos que ele antes praticava no pré-Guerra. E, ainda assim, sem a absoluta certeza de sua inocência. Então, descobrir o culpado representa, de fato, a questão principal da trama.
Comédia
Por outro lado, o roteirista do filme, John Michael Hayes, sempre injetou comédia nos filmes de Hitchcock. Além deste, os dois fizeram juntos Janela Indiscreta (Rear Window, 1954), O Terceiro Tiro (The Trouble with Harry, 1955) e O Homem Que Sabia Demais (The Man Who Knew Too Much, 1956).
E, Ladrão de Casaca possui muito humor. Os diálogos de duplo sentido entre Cary Grant e Grace Kelly são particularmente muito engraçados, e serviram, ainda, para disfarçar as conotações sexuais e evitar cortes impostos pelo Código Hays. Ademais, a personagem de Jessie Royce Landis, que faz a mãe de Frances Stevens (Grace Kelly), também é outra abundante fonte de risos.
Até mesmo a tradicional aparição de Hitchcock, sempre engraçada, escancara a comédia. Ele surge sentado ao lado de Cary Grant no último bando de um ônibus, e o personagem de Grant olha inquieto para a câmera por causa da agitação dos pássaros na gaiola que está ao lado dele. É uma brincadeira, porque sua persona desonesta ganhou o apelido de “O Gato”.
Experimentações
Hitchcock ousa algumas experimentações. Na introdução, o diretor apresenta o modus operandi do famoso ladrão através de uma montagem com cenas das vítimas perturbadas, mãos com luvas coletando joias e, simbolicamente, um gato preto em cima do telhado chegando e saindo. Uma verdadeira lição de como apresentar a situação de forma clara e rápida.
Já uma outra experimentação provoca o espectador. Frances Stevens e, supostamente, John Robie dançam numa festa, e vários planos subsequentes revelam os policiais que estão ali vigiando-os. A princípio, não entendemos o que Hitchcock pretende. Se fosse um diretor qualquer, pensaríamos que seria uma montagem desleixada com planos semelhantes demais. Só após alguns instantes de escrutínio entendemos a intenção narrativa da cena.
Mas a perseguição no telhado, clímax dramático do filme, chega a ser um pouco frustrante. A ação noturna com dois personagens inteiramente vestidos de preto podem confundir. É difícil entender tudo o que está acontecendo.
Ladrão de Casaca é o último filme em que Hitchcock dirigiu Grace Kelly, sua atriz principal preferida. Logo, ela se tornaria a Princesa de Mônaco, ali mesmo na Riviera Francesa. E, triste coincidência, ela sofreria um acidente fatal em 1982, nas tortuosas estradas nas montanhas da região, dirigindo em alta velocidade como fez sua personagem Frances Stevens.
Concluindo, embora sem violência e com pouco suspense, Ladrão de Casaca é um filme divertido e engraçado. Um Hitchcock para se ver em família.
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Ficha técnica:
Ladrão de Casaca | To Catch a Thief | 1955 | EUA | 106 min | Direção: Alfred Hitchcock | Roteiro: John Michael Hayes | Elenco: Cary Grant, Grace Kelly, Jessie Royce Landis, John Williams, Charles Vanel, Brigitte Auber, Jean Martinelli, Georgette Anys.