Envolvente e esclarecedor, o documentário Libelu – Abaixo a Ditadura resgata as memórias do grupo Liberdade e Luta, essencial na redemocratização do Brasil.
Antes de tudo, vale esclarecer o que foi o Libelu, como faz o filme logo nos seus primeiros momentos. Através de cartelas, o longa explica que o Liberdade e Luta foi o braço estudantil do grupo clandestino trotskista OSI (Organização Socialista Internacional). Surgido em 1976, após a derrota da luta armada, o Libelu durou até 1982.
Depoimentos
Para estruturar o centro da narrativa, o diretor Diógenes Muniz captou depoimentos de ex-dirigentes, figuras da base, bem como outras pessoas da militância do Libelu, entre 2018 e 2019. Além disso, conseguiu manter a unicidade visual ao filmar sempre na mesma sala de aula da Faculdade de Urbanismo da USP. Adicionalmente, quando o depoente surge pela primeira vez no filme, vemos ao seu lado uma foto sua na ficha do DOPS. Dessa forma, o documentário aponta que todos foram investigados pelo Departamento de Ordem Política e Social, o que garante maior dramaticidade ao relato.
Libelu – Abaixo a Ditadura apresenta rico material de arquivo. Grande parte dele pertencente à TV Cultura, além de reportagens de jornais e revistas contemporâneos do Libelu. Nesse quesito, duas entrevistas do jornalista Mino Carta se destacam. Numa delas, ele fala com integrantes do grupo, e, na outra, com Erasmo Dias, o secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo. Aliás, são de grande impacto as cenas da invasão à PUC, que Erasmo Dias comandou em 22 de setembro de 1977.
Montagem
Por outro lado, deve-se elogiar a montagem de Libelu – Abaixo a Ditadura. O documentário apresenta os depoimentos em trechos curtos, agrupados por temas, e ainda com imagens históricas para ilustrar. Dessa forma, o tema abordado chega muito claro para o espectador. É fácil absorver não só os eventos históricos, como também as características do grupo.
Nesse sentido, como contam os depoentes, o Libelu se diferenciava de outros grupos de esquerda. Acima de tudo, seus militantes não utilizavam a luta armada. Pelo contrário, sua força era o poder de aglutinar os estudantes, daí coordenando várias manifestações e passeatas. Aliás, como a quantidade de participantes era de milhares, isso desestimulava uma repressão agressiva dos militares.
Tendência liberal
Adicionalmente, o Libelu é visto hoje pelos entrevistados como uma tendência envolvente por ser liberal, opondo-se às rígidas normas das demais organizações de esquerda. Por exemplo, o Liberdade e Luta era aberto ao uso de drogas. Além disso, diferente dos grupos que somente ouviam MPB e samba por serem músicas brasileiras, sua trilha sonora preferida era o rock.
De fato, o Libelu era aberto à cultura internacional. Por exemplo, seus membros adoravam o filme italiano O Incrível Exército de Brancaleone (1966), de Mario Monicelli. E, sempre que o assistiam, bradavam em conjunto o tema do filme (“Branca, Branca, Leone, Leone!”). Aliás, esse costume acabou levando à criação do grito de guerra marcante do Libelu: “Abaixo a ditadura!”.
Porém, o grupo acabou sufocado pelos movimentos trabalhistas, mais fortes que os movimentos estudantis. Contudo, os antigos militantes continuam ainda irreverentes e inconformados. Por isso, não deixam de espetar aqueles ativistas de esquerda que se deixaram seduzir pelo poder.
Dessa forma, o documentário reflete a visão agora ponderada dos ex-militantes do movimento. E, com isso, Libelu – Abaixo a Ditadura evita de ser panfletário e se torna envolvente e esclarecedor.
Ficha técnica:
Libelu – Abaixo a Ditadura (2020) Brasil. 95 min. Direção e roteiro: Diógenes Muniz. Distribuição: Boulevard Filmes.
O filme foi exibido na programação do Festival É Tudo Verdade de 2020.