Em Love Lies Bleeding – O Amor Sangra, a diretora Rose Glass amplia seu universo esdrúxulo. Este é apenas o seu segundo longa, mas na estreia nesse formato (em Saint Maud, de 2019) ela já causou impacto, ao criar um ambiente sombrio, descambando para o terror, que caberia no sobrenatural, mas que no fundo resulta de uma mente deturpada pela religião. Desta vez, invade o fantástico, novamente como fruto da mente, agora alucinada pelas drogas.
O ambiente da estória de Love Lies Bleeding, por si só, atrai atenção. Abraça a excentricidade dos anos 1980, a começar pela academia barra pesada instalada num galpão industrial. Quem cuida do local é Lou (Kirsten Stewart), mas o negócio pertence a seu pai, Lou Sr. (Ed Harris), que também possui um clube de tiro e é traficante de armas. Jackie (Katy O’Brian) chega para treinar para o torneio de bodybuilding em Las Vegas, e de imediato engata um relacionamento com Lou. Para acelerar a preparação, Lou introduz drogas à nova namorada.
O horror da agressão às mulheres
O horror maior surge na tela na abjeta forma concreta da agressão que a irmã de Lou sofre do marido dela, o escroto JJ (Dave Franco). A diretora Rose Glass faz questão de chocar o público em alguns momentos. Este é um deles, pois o rosto da vítima, em coma no hospital, está terrivelmente deformado por conta da violência. Após esse detalhe apavorante, o filme introduz um trecho daquele cinema fantástico, quando a adrenalina se junta aos produtos químicos e os músculos de Jackie se expandem (com os devidos sons acompanhando). Na verdade, uma metáfora para o que acontece em sua mente.
Esse estado de alucinação leva a um crime também com detalhes de gore dignos de filme de terror. Em outros momentos do filme, Rose Glass apela para a violência gratuita como costuma fazer Quentin Tarantino. Jackie como uma máquina de matar é um conceito pulp muito próximo desse cineasta estadunidense. Mas, nesse trecho em especial, Glass é muito mais explícita na violência.
O suspense e o fantástico
O frenesi decorrente das drogas assume o controle de Jackie também no concurso de bodybuilding em Las Vegas. A diretora aproveita para introduzir alucinações grotescas, novamente dentro do horror, com simbolismos fáceis. O desfecho é o vômito, que já havia dado as caras no filme. Bate a desconfiança de que esse cacoete, tão comum no cinema atual, é cria da A24.
Em trechos menos inspirados, o filme resvala no suspense. Primeiro, quando Lou tenta evitar que o seu pai e os capangas dele a encontrem na casa de JJ. Depois, quando Lou torce para que o FBI não encontre o corpo que ela escondeu em sua casa. A primeira cena até funciona e cria certa agonia, mas a segunda não explora totalmente essa oportunidade.
Se o suspense ainda precisa ser aprimorado, o mergulho no fantástico parece ser terreno descomplicado para Rose Glass. A parte final comprova essa sua habilidade, quando opta por uma audaciosa maneira de representar o quão poderosas são as protagonistas. Sim, tem uma pitada de exagero, mas que funciona. O mesmo excesso está nas caracterizações acentuadas dos personagens. Todos os atores que interpretam personagens importantes passaram por uma transformação física radical, alguns só pelo vestuário (Kirsten Stewart), outros pela modificação do próprio corpo (Katy O’Brian), ou pela maquiagem (Jena Malone) ou peruca (Ed Harris).
Love Lies Bleeding, assim, revela um autorismo poderoso. Com coragem, Rose Glass vai além do que usou em seu elogiado filme de estreia. Beira extrapolar o exagero, mas ainda o usa na dose adequada, e o resultado é extraordinário. Se não cair nos erros de Luca Guadagnino em Rivais (Challengers, 2024), poderá fazer ainda melhor.
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Ficha técnica:
Love Lies Bleeding – O Amor Sangra | Love Lies Bleeding | 2024 | 104 min | Reino Unido, EUA | Direção: Rose Glass | Roteiro: Rose Glass, Weronika Tofilska | Elenco: Kristen Stewart, Katy O’Brian, Ed Harris, Dave Franco, Anna Baryshnikov, Jena Malone, Eldon Jones.
Distribuição: Synapse.
Assista ao trailer aqui.