O produtor Samuel Goldwyn contratou John Ford para dirigir Médico e Amante, uma produção baseada no livro de Sinclair Lewis. O material rendeu a Ford um filme sólido, com uma narrativa profunda, centrada num protagonista complexo, e imagens contundentes.
A trama
Martin Arrowsmith se forma como médico, mas é obstinado em descobrir alguma cura pioneira e cravar seu nome na história. Contudo, quando o seu mentor, Max Gottlieb, o convida para ser seu assistente num renomado laboratório, ele precisa declinar, pois acaba de se casar com Leora. Arrowsmith sabe que o salário de um assistente não é suficiente, por isso, o casal se muda para a cidadezinha natal de Leora. Então, lá ele abre uma clínica particular, sendo o único médico da cidade. Porém, continua em paralelo suas atividades de pesquisa.
Eventualmente, acaba descobrindo um soro para cura de uma doença que afeta o gado local. Tal novidade o leva para Nova York, para trabalhar na mesma empresa do seu mentor Gottlieb. E este o coloca numa pesquisa numa ilha isolada no Caribe. Lá, Arrowsmith deve aplicar um medicamento somente em 50% da população, que está sob risco de infecção da peste. Dessa forma, ele poderá apurar a eficácia da fórmula. No entanto, sua esposa Leora o acompanha, a seu contragosto. Logo, a peste se espalha e ameaça a todos na ilha.
Martin Arrowsmith
O protagonista Martin Arrowsmith é obcecado em entrar para a história como um importante pesquisador médico. No entanto, apesar de ter isso como a grande meta de sua vida, ele se desvia dela por causa de seu amor por Leora. Depois, quando sua esposa morre por causa do vírus que ele pesquisa, ele passa a enxergar o lado humanista das situações. Por exemplo, a proposta do Prof. Gottlieb de aplicar o soro somente na metade da população é claramente desumana. Entretanto, Arroswsmith só percebe isso quando sente o impacto da morte de sua amada.
Mesmo com sua obstinação, Arrowsmith apresenta momentos de insegurança. Por exemplo, ele não consegue salvar sua primeira paciente quando começa a clinicar na cidadezinha de Leora. Além disso, sua falta de confiança retorna quando seus experimentos fracassam.
Esse personagem poderia ser ainda mais complexo, não fosse pela censura da época. Segundo nota no site IMDb, dez minutos do filme foram cortados para não sugerir que Arrowsmith teve um caso com a bela filha do fazendeiro na ilha. De fato, essa implicação colocaria ainda mais uma camada no protagonista que, aparentemente, amava muito sua esposa. De qualquer forma, no final, Arrowsmith vai desprezar a oportunidade de se envolver com essa mulher (papel de Myrna Loy). Apesar de já estar viúvo, ele parte para abrir um laboratório de pesquisas próprio. Ou seja, ele cederá, totalmente, à sua obsessão.
Demais personagens
A protagonista Leora também se destaca. Apesar de sua dedicação absoluta ao marido, ela não é uma mulher fraca. Por isso, exige de seu pai que empreste o dinheiro para o marido abrir seu consultório médico na cidade deles. Além disso, não aceita ficar sozinha nos EUA, cuidando da casa, enquanto o marido realiza suas pesquisas no exterior.
Ainda sobre os personagens, vale apontar mais um fato importante constante no IMDb. Em especial, porque contraria as acusações de racismo direcionadas ao diretor John Ford. Segundo o registro, Médico e Amante é o primeiro filme sonoro a apresentar um personagem negro com ensino superior, o médico Dr. Oliver Marchand. Ademais, ele não tem nenhum dos trejeitos que diminuíam os negros nos filmes de Hollywood da época.
Dirigido por John Ford
Além da profundidade dos protagonistas, John Ford imprime em Médico e Amante um esmero visual que viria a ser celebrado em Cidadão Kane (Citizen Kane, 1941), de Orson Welles. Por exemplo, ele tira o melhor proveito do deslumbrante cenário da empresa novaiorquina onde Arrowsmith vai trabalhar. Do exterior, vemos a imponência do edifício, cujo 25º andar é ocupado por esse laboratório. Então, no hall de entrada, a câmera do alto capta a porta gigantesca e o apequenado Arrowsmith à sua frente.
Além disso, John Ford explora características do Expressionismo Alemão. Em especial, na lúgubre cena em que Leora está sozinha na ilha, dentro de casa, e a peste começa a avançar. Por descuido, ela também se infecta, e todo esse momento trágico é repleto de sombras e luzes contrastantes.
No geral, o filme tem um ritmo muito acelerado. Os anos se passam rapidamente, com grandes saltos no tempo. Quanto ao tom, a parte inicial alterna momentos de humor e drama. Mas, na parte final, prevalece o clima sombrio.
Elenco
No papel do protagonista Martin Arrowsmith, está Ronald Colman, que já contava com seus quarenta anos na época das filmagens de Médico e Amante. Ele começou sua carreira ainda no cinema mudo, em 1917. Apesar de não ter alcançado fama como estrela, era muito respeitado pelos diretores, inclusive por John Ford. Seu talento foi agraciado com o Oscar de ator coadjuvante por Fatalidade (A Double Life, 1947).
Da mesma forma, Helen Hayes também nunca foi uma celebridade de primeira grandeza. A atriz que dá vida a Leora Arrowsmith é lembrada, hoje, como uma das vítimas no avião de Aeroporto (Airport, 1970). Já uma veterana, ela ganhou por esse papel o Oscar de atriz coadjuvante. Aliás, foi o seu segundo Oscar, pois ela ganhara antes o de melhor atriz por O Pecado de Madelon Claudet (The Sin of Madelon Claudet, 1931).
Por fim, Médico e Amante merece ser descoberto, pois não figura entre os filmes mais famosos da vasta filmografia de John Ford. Na época, foi bem apreciado e recebeu indicações aos Oscars de melhor filme, roteiro adaptado (Sidney Howard), fotografia (Ray June) e direção de arte (Richard Day).
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Ficha técnica:
Médico e Amante | Arrowsmith | 1931 | EUA | 1h48min | Direção: John Ford | Roteiro: Sidney Howard |Elenco: Ronald Colman, Heley Hayes, Richard Bennett, A. E. Anson, Clarence Brooks, Alec B. Francis, Claude King, Bert Roach, Myrna Loy, Ward Bond, Beulah Bondi.
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