O filme alemão Mente Perversa mostra o conflito interior de um pedófilo que luta para controlar seus desejos.
O diretor e roteirista Sava Ceviz escolheu uma abordagem diferente para mostrar um personagem doente. Ao invés de seguir a trilha dos filmes sobre serial killers, seu Mente Perversa constrói um protagonista que reconhece seu distúrbio, mas por ser uma pessoa inerentemente boa, luta contra seus impulsos libidinosos.
Markus (Max Riemelt, ator da série Sense8) é um cidadão comum, um homem solteiro que trabalha como arquiteto e vive sozinho. Ele, porém, possui um segredo: sente-se atraído por meninos.
Até o momento, sua perversão o leva a atos de voyeur. Observa seus objetos de desejo na internet, nas ruas, nos ônibus, pela janela do seu apartamento e chega até a tirar fotos na piscina. O pedófilo tenta se aliviar se masturbando, mas sabe que sua doença poderá levar ao ato criminoso de molestar uma criança.
Ao procurar um psiquiatra, descobre que sua doença não tem cura, então, cabe a ele controlar seus impulsos. Porém, isso não é fácil para Markus. Ainda mais quando chega uma nova vizinha, uma mulher separada com um filho pequeno, que logo ficam íntimos dele.
Ao lado de um pedófilo
Mente Perversa coloca o espectador ao lado do protagonista, mesmo sendo ele um pedófilo, sem, contudo, abrir concessões éticas. Quando ele se coloca em uma situação que pode levar a um ato criminoso, como quando persegue sorrateiramente um garoto num parque, a trilha sonora é de suspense. Isso pontua o mal que está na mente doente de Markus e evita que o público sinta que a situação pode ser tolerável.
Por outro lado, como o protagonista está agoniado e não quer sentir essa atração que ele próprio reconhece que é condenável, o público acaba sentindo empatia com ele. Tanto que, quando a vizinha entra sozinha em sua casa, a torcida é para que ela não descubra que Markus é um pedófilo.
O filme recompensa o público por ter simpatizado com Markus, porque a bondade do protagonista se comprovará na cena final. Arthur, o garoto da vizinha, inocentemente confia muito em Markus e o convida a uma situação que facilitará o ato criminoso. Com receio de não se controlar, ele prefere acabar com sua própria vida tomando uma overdose. O caráter imaculado de Markus será preservado, e isso fica claro quando ele se veste impecavelmente, com uma camisa branca limpíssima, e arruma toda a casa antes de se suicidar.
Perigo real
Tudo funciona bem nessa abordagem pouco ortodoxa em relação a um criminoso potencial. O delito que ele está tentado a cometer é um dos mais reprováveis que existem. Contudo, é um perigo real, tanto que nos parques infantis dos Estados Unidos não é permitida a presença de um adulto que não esteja com seu filho no local. E Mente Perversa deixa esse risco bem evidente ao mostrar um cidadão aparentemente respeitável tentando controlar um desejo que é muito forte para ele.
No entanto, poderia ser tirado do filme as insistentes cenas de Markus observando o lobo que está enjaulado em um parque. É uma metáfora óbvia demais do animal com instinto selvagem sendo controlado, tal qual Markus tenta inibir sua pedofilia. Então, quando ele vê o lobo solto e percebe que pode chegar a molestar uma criança, o público se sente até menosprezado por essa associação de ideias tão simplista. E que já foi vista no cinema várias vezes, como em Sangue de Pantera (Cat People, 1942), de Jacques Tourneur ou na versão de 1982 de Paul Schrader.
Mesmo assim, esse deslize não tira o valor de Mente Perversa, um filme importante para se compreender esse terrível distúrbio.
Mente Perversa será exibido na 43ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. Procure pelo título em inglês: Head Burst.
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Ficha técnica:
Mente Perversa (Kopfplatzen, 2019) Alemanha. 99 min. Dir/Rot: Sava Ceviz. Elenco: Max Riemelt, Oskar Netzel, Isabell Gerschke, Luise Heyer.