Enquanto O Som do Silêncio permite ao espectador sentir o processo de perda de audição, Meu Pai faz o mesmo com a dolorosa sensação da perda da memória. Mas, no lugar dos excepcionais efeitos sonoros daquele filme, aqui se trabalha magistralmente as situações em cena. Ou seja, a solução depende mais do talento do diretor e do roteiro do que de um aspecto técnico.
Acompanhamos a estória de Meu Pai exclusivamente pela imprecisa percepção de Anthony, personagem vivido por Anthony Hopkins. Com idade avançada, sua mente está cada vez mais confusa. A princípio, ele mora sozinho em seu apartamento e uma enfermeira cuida dele. Então, quando ela se demite, a filha Anne (Olivia Colman) o leva para morar com ela. Mas, o genro é contra essa ideia e, então, Anthony é internado em uma casa de repouso.
Pelo menos, esta é uma das percepções que Anthony tem da realidade. Além desta, talvez existam outras. Por exemplo, numa delas Anne o interna porque ela se muda para Paris com seu novo marido. Adicionalmente, há uma nova enfermeira sendo contratada, mas isso não se encaixa com a ida para a casa de repouso. Enfim, o filme cativa o espectador por ele ficar tão confuso quanto o protagonista.
Estado debilitado
Por outro lado, alguns ingredientes reforçam o estado debilitado da mente de Anthony. Nesse sentido, em determinados trechos, ele confunde as pessoas. Por exemplo, ele conversa com a filha e com o genro, mas quem os incorpora são enfermeiros da casa de repouso. Ou então, as pessoas com quem ele interage desaparecem do ambiente. Da mesma forma, situações e frases se repetem constantemente, tal como sonhos recorrentes. Em meio a essas incertezas, ele tem a impressão de que foi agredido pelo genro, numa cena chocante de violência doméstica.
Até mesmo a noção do tempo é deturpada. O filme não deixa claro qual é a sequência real dessas situações. Afinal, elas até se repetem. Então, talvez o “hoje” da estória seja o momento da cena final, e Anthony no asilo se confunde no emaranhado de lembranças e alucinações que conflitam dentro de sua cabeça.
E Anthony Hopkins está soberbo no papel do protagonista instável com quem compartilha o primeiro nome. Ator lembrado por personagens fortes e viris, vide o Hannibal Lecter de O Silêncio dos Inocentes (1991), aqui sua fragilidade só se compara ao mordomo que ele interpreta em Vestígios do Dia (1993). Mas, em Meu Pai, ele se supera na arrasadora cena final, onde Anthony descarrega todo o seu desespero, como se precisasse de colo tal qual uma criança vulnerável. Uma conclusão de apertar o coração.
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Ficha técnica:
Meu Pai (The Father) 2020. Inglaterra/França. 97 min. Direção: Florian Zeller. Roteiro: Christopher Hampton e Florian Zeller. Elenco: Anthony Hopkins, Olivia Colman, Mark Gatiss, Olivia Williams, Imogen Poots, Rufus Sewell.
Distribuição: Califórnia Filmes.