Em Na Cidade Branca, acompanhamos o vazio existencial de um homem de passagem por Lisboa.
A cidade portuguesa era apenas uma das paradas rápidas do navio cargueiro em que Paul trabalha. Mas, não aguentando mais o enlouquecedor serviço no mar junto às máquinas, o homem de meia-idade resolve estender a sua estadia por sua própria conta. Então, hospeda-se num hotel barato em cima de um bar, onde conhece e se apaixona por Rosa. Ele não esconde esse novo relacionamento da namorada Élisa, que vive na Suíça, para quem Paul envia cartas e filmes que ele capta com sua câmera de 8mm.
Sem ocupação, Paul vagueia por Lisboa, procurando preencher o vazio existencial que o deixa sem rumo. Por isso, Na Cidade Branca mostra várias cenas do protagonista andando pelas ruas envelhecidas da cidade, e, também dele observando o mar da sacada de seu quarto. Apesar de frequentar os bares e casas noturnas, ele continua um estrangeiro para os moradores locais. Até por isso, é vítima de um assalto e de uma agressão. Nesse cenário, Rosa aparenta ser a chave para ele se reencontrar com a motivação pela vida. Porém, ela se vai. Assim, resta a Paul pegar o trem e retornar para a Suíça. Mas, a cena final que revela ele observando e até filmando uma bela passageira indica que ele continuará sua busca pela razão de viver.
O labirinto de Lisboa
A escolha de Lisboa é essencial para traduzir essa busca do protagonista. Suas ruas estreitas, com subidas extremamente íngremes, representam traduções arquiteturais do sentimento de desnorteamento existencial de Paul. No filme, ele percorre várias vielas sem um destino certo. Em suas perambulações, persegue um dos ladrões que roubaram sua carteira. Mas, quando o encontra, o bandido o ataca com um canivete, evidenciando a insensatez do comportamento de Paul, guiado pelo impulso.
Alain Tanner, diretor e, também roteirista, de Na Cidade Branca, transforma as ruas da capital portuguesa em um labirinto. Além dos planos que acompanham Paul em suas andanças, Tanner também se aproveita dos trechos em Super 8 filmados pelo personagem, acentuando esse efeito labiríntico através da câmera subjetiva.
Adicionalmente, o filme capta uma Lisboa com muitas pichações e bem diferente do polo turístico de hoje. Filmado em 1982, Na Cidade Branca se aproveita dessa característica da cidade antes de Portugal crescer economicamente com a criação da União Europeia. Dessa forma, não vemos Paul como um turista, o que poderia atrapalhar a narrativa.
Por outro lado, o protagonista pouco fala no filme. O que é compreensível, pois ele não sabe o idioma local. Então, absorvemos os pensamentos do personagem através de suas conversas em francês com Rosa, e das divagações nas cartas que escreve para Élisa. Porém, igualmente pela magnífica interpretação de Bruno Ganz, ator capaz de expressar o sentimento do personagem sem a necessidade de palavras. Aliás, ele é lembrado pelos seus trabalhos em Asas do Desejo (1987) e Tão Longe, Tão Perto (1993), de Wim Wenders, cineasta com uma importante obra existencial.
Na Cidade Branca recebeu o prêmio César de melhor filme em língua francesa e de melhor filme estrangeiro no Fotogramas de Plata, e, ainda, recebeu indicação para o Urso de Ouro em Berlim.
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Ficha técnica:
Na Cidade Branca (Dans la ville blanche) 1983. Suíça/Portugal/Reino Unido. 108 min. Direção e roteiro: Alain Tanner. Elenco: Bruno Ganz, Teresa Madruga, Julia Vonderlinn, José Carvalho, José Wallenstein, Lídia Franco, Joana Vicente.