Na Prisão de Evin repete a ousadia de A Dama do Lago (Lady in the Lake, 1946). Tal como no film-noir de Robert Montgomery, o longa de estreia dos diretores iranianos Mehdi Torab-Beig e Mohammed Torab-Beig é filmado inteiramente com a câmera subjetiva.
Assim, o espectador vê toda a trama a partir dos olhos da jovem protagonista Amen, de quem só ouvimos a voz, e pequenas partes de seu rosto em pedaços de espelhos quebrados. Amen segue a indicação de sua amiga Nilo (Shabnam Dadkhah), e juntas adentram a casa do milionário Naser (Mahdi Pakdel). Este homem promete viabilizar a cirurgia de mudança de sexo que Amen tanto deseja. A princípio, como troca, ela deve se passar por Annie, a filha de Naser para ludibriar a avó dela. Porém, aos poucos descobrimos, junto com Amen, que o preço é bem mais alto: a própria liberdade.
A perspectiva subjetiva permite que o público entenda como Amen se envolve nessa cilada sem perceber, pois Naser é um habilidoso dissimulador. Quando se dá conta, já é tarde demais. Esse processo é cheio de suspense, pois há muito mistério rondando a casa e o seu dono – como a ovelha que matam como sacrifício, e a posição dúbia da esposa de Naser. Em certo momento, Na Prisão de Evin explora a situação de Amen na metáfora de uma borboleta trancada em um recipiente de vidro, que morre aos poucos conforme o oxigênio se esgota.
Por outro lado, o fato de não vermos como é Amen fisicamente, amplia o poder de identificação do público. Sem o obstáculo de sua imagem, qualquer um consegue se colocar no lugar da protagonista, e não especificamente na situação da trama, em outra simbolicamente semelhante. Alías, isso só corrobora o fato de o maior diferencial de Na Prisão de Evin ser o uso exclusivo da câmera subjetiva.
Spoilers adiante
O Evin do título é o nome de uma prisão no Irã, e o destino final de Amen. Enquanto estava presa na casa de Naser, a filha dele, Annie, foi condenada à prisão perpétua. Por isso, com a cirurgia, Amen participará de um esquema para substituir Annie na prisão. O filme, assim, apresenta a contradição na vida de Amen. Ela agora está livre do corpo de homem, porém abdicou de sua liberdade de ir e vir.
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Ficha técnica:
Na Prisão de Evin | At The End Of Evin | 2021 | Irã | 78 min | Direção e roteiro: Mehdi Torab-Beig, Mohammed Torab-Beig | Elenco: Mehdi Pakdel, Ra’na Azadivar, Ali Baqeri, Babak Karimi, Farid Samavati, Shabnam Dadkhah, Mehri Kazemi.
Esse filme está na seleção da 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.