Com um rigor formal extremamente controlado, o diretor grego Alexandros Avranas desfila uma coleção de personagens detestáveis para provar sua descrença na humanidade. Tal perspectiva o aproxima de seu compatriota Yorgos Lanthimos, e tem origem no movimento Greek Weird Wave.
O roteiro agrada aos espectadores que gostam de viradas na trama, que aqui servem para provar que ninguém presta. A história já parte de uma situação incomum. Um casal rico contrata uma bela jovem para ser a barriga de aluguel do filho que eles não podem ter. Durante a concepção e a gravidez, a moça vai morar na casa do casal.
O casal se mostra extremamente gentil e generoso até em relação ao pagamento que foi contratado. Mas, a jovem só quer fazer o serviço, sem nenhum envolvimento pessoal. Por isso, apresenta uma expressão séria e dura em resposta aos largos sorrisos da futura mãe. Já em relação ao marido se porta diferentemente, dando a entender que pretende seduzi-lo. Na noite da fecundação, a esposa chora. Considerando que ela quase bateu seu carro num poste de propósito no dia anterior, o público conclui que ela se sente triste com esse arranjo.
Surpresas
Contudo, o enredo puxa o tapete do espectador, e mostra que as impressões sobre o casal estavam erradas. No lugar do drama, entra um enredo de thriller, que traz pontos em comum com Pacto de Sangue (Double Indemnity, 1944), de Billy Wilder, principalmente por envolver seguro de vida. Enquanto os culpados tentam sair ilesos do crime que cometeram, o suspense possui muita força.
Porém, cai bastante quando entra na história o vizinho bisbilhoteiro. Construído para fazer sentido à trama, esse personagem soa totalmente inconsistente. Um dos problemas está no fato de ser um senhor idoso, para parecer inofensivo e enganar o casal (e o espectador). Mas, por causa disso, ele soa tão pouco ameaçador que se torna difícil engolir que ele domina a esposa (do casal principal) a ponto de ela se submeter ao sadismo do velho, que inclui espancamento, estupro e até (num toque bem Yorgos Lanthimos) ficar presa a uma coleira e andar de quatro como uma cadela. Ele poderia estar armado, o que afastaria esse ruído no enredo, mas o diretor parece preferir manter uma subjugação psicológica.
Além disso, esse personagem idoso, depois de confirmar suas suspeitas, esconde da mulher a sua verdadeira identidade sem necessidade nenhuma. Essa revelação só surge no final, quando aparece o marido, numa intenção planejada de forçar um momento surpresa para o público. O resultado é artificial, e estraga a conclusão bombástica que prova que ninguém presta, que todos querem se aproveitar do outro. Arruína, também, a tensão que entusiasmou o espectador na primeira parte do filme.
Rigor formal
Sobrevive à trama o rigor formal com o qual Alexandros Avranas dirige Não Me Ame. Todos os enquadramentos são meticulosamente controlados com uma nítida preocupação geométrica. Em muitos planos, os personagens estão em frente a uma moldura formada por janelas, portas, armários etc. Esse formalismo calculado se adequa à narrativa, pois os protagonistas planejaram com cuidado o esquema que agora colocam em prática. Junte a isso a ausência de música nas cenas, o que imprime uma frieza que se equipara à crueldade do casal. O formalismo é tão rigoroso que nem nos créditos finais há música.
Mas, tal frieza levou Avranas decidir errado sobre o personagem do vizinho, provavelmente por calcular que o espectador ficaria satisfeito com a ideia de uma subjugação psicológica se sobrepondo à superioridade física.
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Ficha técnica:
Não Me Ame | Love Me Not | 2017 | 99 min. | Grécia, França | Direção: Alexandros Avranas | Roteiro: Alexandros Avranas, Kostas Peroulis | Elenco: Eleni Roussinou, Christos Loulis, Célestine Aposporis, Maria Skoula, Reni Pittaki, Vicky Tsirou, Stefanos Kosmidis, Nikos Hatzopoulos, Penelope Markopoulou, Manos Vakousis.
