Como Noite Infeliz (Violent Night) levanta explicitamente a crítica ao materialismo das pessoas, faz sentido o filme apresentar um Papai Noel desconfigurado. Se as crianças estão viciadas no consumismo, e pedem até dinheiro como presente de fim-de-ano, o Papai Noel que esse mundo merece é mesmo esse desmotivado velho bêbado que o prólogo apresenta, interpretado apropriadamente por David Harbour, aqui repetindo a pegada do anti-herói que vive na série Stranger Things.
Mas, na noite que esse Papai Noel resolve realizar seu trabalho pela última vez, ele se vê dentro de uma casa de uma milionária que foi invadida por perigosos bandidos. A princípio, ele só quer se salvar, mas o olhar de uma menina que ainda acredita em Papai Noel, e a única realmente boa na história, o faz voltar para tentar resgatá-la. O líder desses malfeitores é outra acertada escalação de elenco: John Leguizamo. Esse ótimo ator parece se inspirar nos gângsteres alucinados que James Cagney levou para as telas, inclusive com uma obrigatória rajada de metralhadora. Ainda sobre o elenco, poucos reconhecerão, mas a idosa milionária é a hoje veterana Beverly D’Angelo, da franquia Férias Frustradas e tantos outros filmes.
Papai Noel, um herói?
Mas o trailer dava a impressão que esse Papai Noel era um cara durão, capaz de enfrentar na mão esses bandidos. E, até, utilizando algum poder mágico. Porém, sua magia se restringe a se desmaterializar para passar pela chaminé – e ainda com certa dificuldade em controlá-la. Assim, ele sofre quando briga com o primeiro dos invasores, numa luta longa demais e que fica chata, pois não apresenta nada de novo. Já a segunda luta, embora também longa, traz lances espertos por parte do Papai Noel que consegue, com isso, ganhar o público.
No entanto, o personagem não se sustenta, pois alterna entre ser um durão e um fracote. Faltou definir um poder para ele justificar ser mais forte que os bandidos. Na verdade, nem isso se concretiza, e o filme falha ao não dar um poder especial ao Noel. No fundo, queremos que ele seja uma figura heroica. Aliás, o enredo quase acerta ao timidamente incutir a ideia de que ele fica forte quando as pessoas acreditam nele, fato que poderia ser mais bem explorado.
Da mesma forma, Noite Infeliz desperdiça a oportunidade de usar o Papai Noel como um símbolo de uma época menos materialista. A metáfora ia bem, ao colocar a menina como a solitária figura com o coração puro. Até o momento em que deixa o simbolismo de lado para apelar para a mensagem direta, sem inspiração, de queimar o dinheiro para aquecer e salvar o herói. Uma solução tão pobre que até ofende a inteligência do espectador.
A direção
Além disso, o filme não se decide entre o humor ácido e o ingênuo. Este último, entra em cena quando o Papai Noel enfrenta os bandidos usando as técnicas infantis do Kevin de Esqueceram de Mim (Home Alone, 1990). Inclusive, apelando para as bolas de Natal como armadilhas no chão.
Noite Infeliz é o oitavo longa do diretor norueguês Tommy Wirkola, que despontou com Zumbis na Neve (Død snø, 2009). Fez filmes interessantes, como João e Maria: Caçadores de Bruxas (Hansel & Gretel: Witch Hunters, 2013) e Onde Está Segunda? (What Happened to Monday, 2017). Sua marca é deturpar um filme de gênero com comédia grosseira. Ainda não acertou o alvo em cheio, mas tem potencial para isso.
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Ficha técnica
Noite Infeliz | Violent Night | 2022 | 112 min | EUA | Direção: Tommy Wirkola | Roteiro: Pat Casey, Josh Miller | Elenco: David Harbour, Beverly D’Angelo, John Leguizamo, Cam Gigandet, Edi Patterson, Brendan Fletcher.
Distribuição: Universal Pictures.