O diretor inglês Edgar Wright estreou no cinema com o sucesso Todo Mundo em Pânico (Shaun of the Dead, 2004). Desde então, nunca mais conseguiu realizar um filme à altura, chegando perto com o humor juvenil de Scott Pilgrim contra o Mundo (Scott Pilgrim vs. the World, 2010). Mas, a sua preocupação exagerada com o visual moderno e estilizado, repleto de gags visuais gráficas e cenas coreografadas, costuma desviar o seu foco do enredo, resultando numa narrativa frouxa. Em seu novo filme, Noite Passada em Soho (Last Night in Soho, 2021), Wright conta um bom roteiro, baseado em uma história sua, mas o problema está mesmo na direção.
Noite Passada em Soho arrisca misturar música e terror, ousadia que raramente dá certo. Uma célebre exceção é o genial O Fantasma do Paraíso (Phantom of the Paradise, 1974), mas este é obra de um diretor excepcional, Brian De Palma. E Edgar Wright, cada vez mais, prova que está longe deste patamar.
No entanto, para sermos justos, a primeira parte de Noite Passada em Soho, funciona muito bem. Tem a cara de Wright, pois é bem-humorada e reflete a empolgação da protagonista Eloise (Thomasin McKenzie), a jovem interiorana que consegue uma bolsa numa prestigiada escola de moda em Londres, nos dias de hoje. Canções antigas acompanham a garota em cenas coreografadas, que conseguem uma perfeição deslumbrante quando, alternadamente, Eloise troca de lugar com Sandie (Anya Taylor-Joy), que viveu na mesma região nos anos 1960. A princípio, Sandie e Eloise alternam lugares e épocas através de espelhos, mas depois diretamente mesmo. A primeira impressão é de que a novata fantasia uma vida cheia de glamour de uma pessoa que conquistou a swinging London. Ou seja, um alter-ego que pode lhe dar a confiança que precisa para vencer nessa grande cidade.
O terror, o terror
Então, começa a virada no filme, e o tom de empolgação dá lugar para o mistério, e, depois para o terror. O mistério se sustenta, porque a história é interessante. Eloise tem poder mediúnico, e na sua casa via constantemente o espírito de sua mãe falecida. O roteiro trabalha espertamente esse fato, sugerindo a possibilidade de Sandie ser sua mãe, que se perdeu quando se mudou para Londres e se suicidou. Esse detalhe, além disso, induz a que nós, e os demais personagens, desconfiemos da sanidade da protagonista. Enfim, esse suspense se mantém até segundos antes da revelação da verdade, que consegue surpreender e ainda fazer sentido, pois Sandie tem o dom de se ver as almas penadas que precisam de ajuda.
Contudo, Edgar Wright demonstra que perdeu a afinidade com o terror, apesar de este gênero ser um dos ingredientes da sua exitosa estreia no cinema. Acontece que Noite Passada em Soho precisa assustar, diferentemente de Todo Mundo em Pânico, cuja finalidade principal era fazer rir. E, as aparições dos fantasmas que querem vingança não assustam, pois carecem de uma aparência horripilante mais aguda. Exceto por uma cena perto do final, elas não significam uma ameaça concreta para a protagonista. Já as visões do assassinato chegam mais perto do terror, com muito sangue à mostra. Porém, a direção desperdiça também esses momentos, principalmente pelo uso inadequado da música e dos efeitos sonoros.
Elenco
Pelo menos, o filme traz duas atrizes talentosas que recompensam os espectadores com suas presenças encantadoras. A jovem neozelandesa Thomasin McKenzie despontou em Jojo Rabbit (2019) e mostra muita segurança num papel com forte bagagem psicológica. E, Anya Taylor-Joy reforça seu carisma como uma atriz que brilha nas telas, aqui vivendo uma personagem que demanda essa aura de estrela.
Em suma, Noite Passada em Soho encanta pelas suas coreografias excepcionalmente bem editadas e filmadas. Porém, não espere sentir algum medo nesta mistura de musical com terror.
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Ficha técnica:
Noite Passada em Soho | Last Night in Soho | 2021 | Reino Unido, EUA | 116 min | Direção: Edgar Wright | Roteiro: Krysty Wilson-Cairns, Edgar Wright | Elenco: Thomasin McKenzie, Anya Taylor-Joy, Matt Smith, Diana Rigg, Aimee Cassettari, Rita Tushingham, Michael Ajao, Synnove Karlsen.
Distribuição: Universal.