Se não fosse pelo intenso trabalho de edição, O Alfaiate se aproximaria de um teatro filmado. Essa impressão não causa estranheza, afinal, o seu diretor é Graham Moore, o roteirista oscarizado por O Jogo da Imitação (2014). Em sua estreia na direção de longas, as palavras possuem um lugar especial. Foram escolhidas com o mesmo capricho que o alfaiate Leonard (Mark Rylance) dedica a sua profissão, tal como ele mesmo narra no início do filme. Detalhadamente, ele valoriza o seu ofício, dando-lhe sentido, até que, sem mudar o tom da sequência, as imagens começam a mostrar homens armados usando a sua loja para depositar documentos.
O ano é 1956 e a cidade Chicago. Os engravatados portando armas com cara sisuda indicam que eles são mafiosos. O enredo logo confirma que pertencem à gangue de Roy (Simon Russell Beale), uma pequena “família” em ascensão. Quem está sempre marcando presença na alfaiataria é Richie (Dylan O’Brien), filho de Roy, e o ambicioso Francis (Johnny Flynn). Embora Leonard mantenha distância desse meio violento, sua assistente Mable (Zoey Deutch, a filha de Lea Thompson e Howard Deutch) se envolve romanticamente com Richie. Essa rotina isenta de Leonard acaba quando Francis recebe uma denúncia de que há um espião infiltrado no grupo.
Montagem em destaque
A direção de Graham Moore, para equilibrar a ênfase nos diálogos dada pelo roteiro, trabalha bastante a montagem. Assim, a narração que abre o filme ganha o acompanhamento de uma série de planos curtos que ilustram, sem cair na redundância, o que diz o protagonista. Inclusive quando, através das imagens, revela a atividade criminosa que acontece em paralelo. Essa sequência inicial exemplifica o que continua como padrão durante o restante do filme. Uma montagem particularmente notória envolve a alteração da ordem cronológica entre duas cenas, inserindo trechos futuros no meio dos acontecimentos presentes.
Mas, a montagem não afasta completamente a característica teatral do roteiro. Isso fica evidente na conversa entre um ferido Richie e Leonard, sentados em poltronas. Como os diálogos são bem escritos, a aproximação teatral não representa nenhum problema nesse filme.
O enredo, além disso, apresenta várias viradas na trama, deixando a constante impressão de incerteza a respeito dos personagens, especialmente Leonard e Mable. Nesse sentido, o twist final até extrapola um pouco na revelação do passado do alfaiate, caindo na batida solução da surpresa com um protagonista mais poderoso do que aparenta ser – muito usada em casos de ex-fuzileiros navais. Não chega a estragar o filme porque se evita a tentação de copiar o excelente Kingsman: Serviço Secreto (Kingsman: The Secret Service, 2014). Já uma mudança na narrativa que deve agradar os cinéfilos é a ocultação de um corpo em um baú na sala – como no inesquecível Festim Diabólico (Rope, 1948), de Alfred Hitchcock.
O Alfaiate, assim, revela um potencial grande diretor, até agora reconhecido como roteirista de talento. Novos trabalhos confirmarão essa hipótese, ou provarão que foi sorte de principiante.
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Ficha técnica:
O Alfaiate | The Outfit | 2022 | 105 min. | EUA, Reino Unido | Direção: Graham Moore | Roteiro: Graham Moore, Johnathan McClain | Elenco: Mark Rylance, Zoey Deutch, Dylan O’Brien, Johnny Flynn, Simon Russell Beale, Nikki Amuka-Bird.