Mesmo sem didatismo, O Amante da Rainha explica claramente como a Dinamarca saiu da Idade Média e pôde se transformar no invejado país que é hoje.
A história
Carolina Matilde deixa a Grã-Bretanha aos 15 anos para se casar com seu primo Cristiano, rei da Dinamarca, em 1766. Enquanto a Europa passa por profundas transformações movidas pelo Iluminismo, os nobres dinamarqueses continuam a explorar o povo. Copenhagen vive na miséria e os ratos passeiam pelas ruas da fedida capital. Contudo, alheio a tudo isso, o rei Cristiano assina todas as leis propostas pela corte sem sequer lê-las. Considerado louco, ele é culto, porém extremamente fraco, e se sente confortável em ser um joguete na mão dos nobres.
Em 1769, o rei Cristiano retorna de uma viagem à Alemanha trazendo seu novo médico real, Johann Friedrich Struensee. Adepto do Iluminismo, Struensee conquista a confiança do rei, e o influencia com ideias que resultam em melhorias para o povo dinamarquês. Inclusive, o médico se torna ministro da corte, substituindo os antigos nobres aproveitadores. Porém, Struensee vira amante da rainha Carolina, e os antigos nobres da Corte se aproveitam disso para manchar sua reputação e retomar o poder.
Fluência
Ao contrário de alguns filmes históricos que tornam os eventos um emaranhado indecifrável, a trama de O Amante da Rainha é facilmente assimilável. Além disso, acompanhá-la é uma experiência prazerosa. Grande parte dessa fluência emana da narração de Carolina Matilde, dando voz às sentenças que escreve na carta endereçada aos filhos, já perto da morte no seu exílio forçado na Alemanha. Dessa forma, ela comenta os eventos que vemos na tela como um flashback, permitindo a nós, espectadores, compartilhar a reação do herdeiro Frederico e sua irmã Luísa Augusta ao lerem o texto que lhes influenciaria a colocar a Dinamarca num novo rumo. Enfim, definitivamente tirando o país da obscura Idade Média.
Aliás, curiosamente, o filme empolga mais nessa chave política do que no romance entre a rainha e o médico. Em grande parte, por causa da presença do ator Mads Mikkelsen, cujas características naturalmente jogam mais peso no intelectualismo do personagem Struensee do que no seu apelo sexual. Ademais, o diretor Nikolaj Arcel apresenta poucas e pudicas cenas de sexo entre os amantes, como se procurasse mesmo enfatizar as questões do Iluminismo. No entanto, merece atenção a bela cena em câmera lenta durante o baile, quando o médico e a rainha se apaixonam.
Elenco e direção
Os três protagonistas entregam excelentes interpretações, que ilustram as características dos personagens históricos do filme. Na verdade, a origem nórdica dos três já constitui uma qualidade favorável à autenticidade de suas atuações.
A sueca Alicia Vilkander, na época com 23 anos, se destacou tão fortemente que o papel a lançou numa carreira internacional. Logo, seria coroada com um Oscar de coadjuvante por A Garota Dinamarquesa (2015). Já o dinamarquês Mikkel Boe Følsgaard estreia no cinema com uma atuação formidável, que não mostra o rei Cristiano como um bobão, mas uma pessoa fraca que prefere se esconder por trás da fama de louco.
Por fim, o consagrado ator dinamarquês Mads Mikkelsen comprova sua forte presença num papel que demanda essa qualidade. Por isso, sua interpretação não deixa dúvidas de que o médico Struensee era o único com capacidade não só intelectual como moral de governar o país.
O Amante da Rainha marca o quarto longa-metragem do diretor Nikolaj Arcel. Após o filme ser indicado ao Oscar de melhor filme de língua estrangeira, Arcel foi convidado para dirigir a megaprodução estadunidense A Torre Negra (2017). Porém, o fracasso de público e crítica dessa empreitada nos faz suspeitar que o seu maior talento é como roteirista, função que ele divide em O Amante da Rainha e que compõe a maior parte de sua carreira.,
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Ficha técnica:
O Amante da Rainha | En Kongelig Affære | 2012 | Dinamarca | 136 min | Direção: Nikolaj Arcel | Roteiro: Rasmus Heisterberg, Nikolaj Arcel | Elenco: Alicia Vikander, Mads Mikkelsen, Mikkel Boe Følsgaard, Trine Dyrholm, David Dencik, Thomas W. Gabrielsson, Cyron Melville, Bent Mejding, Harriet Walter, Laura Bro.