“O Bom Gigante Amigo”: uma falha no universo spielbergiano
A expectativa era grande. Steven Spielberg é considerado um diretor do universo infantil, pelo menos segundo a percepção do público em geral, mesmo que dentro de sua filmografia apenas três títulos sejam realmente voltados às crianças: “E.T. – O Extraterrestre” (1982), “Hook: A Volta do Capitão Gancho” (1991) e “As Aventuras de Tintim” (2011). Destes, apenas o primeiro é considerado uma obra-prima. Porém, uma tão justamente valorizada que marcou de vez o cineasta americano.
“O Bom Gigante Amigo”, então, carrega esse pesado fardo nas costas. E, não é capaz de suportar o peso.
Baseado em livro de Road Dahl, que já teve outras obras adaptadas para o cinema, como “A Fantástica Fábrica de Chocolate” (em 1971 e 2005) e “O Calhambeque Mágico” (1968), o filme repete sua característica do escritor de mostrar adultos maus e crianças boas. Os adultos, desta vez, são representados por gigantes.
A história
Na história ambientada em Londres no início do século passado, a órfã Sophie (Ruby Barnhill) ousa quebrar as regras de cautela contra seres noturnos, e acaba sendo capturada pelo gigante BGA (Mark Rylance), que o leva para o seu mundo. Lá, BGA é o menor dos gigantes, e o único bom. Os maus percebem a presença da menina e farão de tudo para pegá-la para virar uma refeição. BGA, então, tem a dura missão de protegê-la.
Assim como em “As Aventuras de Tintim”, Spielberg utiliza com maestria a computação gráfica, um recurso necessário para criar os mundos fantásticos onde essas estórias se passam. Com isso, a beleza visual deslumbra os espectadores, principalmente na sequência onde BGA caça os sonhos. Os gigantes, também, parecem saídos diretamente de livros infantis, e convencem na interação com personagens humanos. Dessa forma, o ator Mark Rylance, que ganhou o Oscar de ator coadjuvante quando foi dirigido por Spielberg em “A Ponte dos Espiões” (2015), pode assim mostrar seu talento interpretativo mesmo com tantos efeitos especiais. Aliás, o seu personagem é quem consegue angariar a empatia da plateia no filme.
Maniqueísmo
Enfim, a falha em “O Bom Gigante Amigo” é justamente o maniqueísmo de Road Dahl, que Spielberg não consegue transmitir nas telas. Apesar do que os gigantes maus falam e querem fazer (devorar a menina), o espectador ainda não se convence de que eles merecem alguma punição. O maior pecado deles é saciar a vontade de se alimentar de seres humanos, mas este é apenas o instinto deles. Hoje, o público pode encontrar um paralelo desses gigantes nos animais selvagens carnívoros. Spielberg poderia ter usado dos recursos cinematográficos para tornar os gigantes maus mais sinistros. Adicionalmente, também aumentar a dose de atos condenáveis praticados por eles, como o bullying que impõem a BGA. E este, para incrementar essa caracterização, poderia soar mais indefeso e sofredor.
O final, que não é propositalmente amargo, mas assim parece, frustra as expectativas, pois BGA agora passará a viver solitariamente em seu mundo, sem a presença dos outros gigantes. De fato, a mensagem universal tão solidamente retratada em “E.T. – O Extraterrestre”, aqui aparece desastrosamente distorcida.
Ficha técnica:
O Bom Gigante Amigo (The BFG, 2016) 117 min. Dir: Steven Spielberg. Rot: Melissa Mathison. Com Mark Rylance, Ruby Barnhill, Penelope Wilton, Jemaine Clement, Rebecca Hall, Rafe Spall, Bill Hader, Ólafur Darri Ólafsson, Adam Godley, Michael Adamthwaite, Daniel Bacon, Jonathan Homes, Chris Gibbs, Paul Moniz de Sa, Marilyn Norry.
Assista: Spielberg fala sobre “Bom Gigante Amigo”