O diretor e roteirista mexicano Guillermo del Toro já havia furado a bolha de Hollywood (Blade II [2002] e Hellboy [2004]) quando resolveu voltar ao seu país para realizar O Labirinto do Fauno, uma obra muito mais pessoal. Decisão acertada, pois resultou no que talvez seja o melhor filme de sua carreira.
O real e o fantástico
O Labirinto do Fauno mergulha na fantasia, com criaturas surpreendentes imaginadas por Guillermo del Toro, mas sem se distanciar demais da realidade. Essa dialética é aqui usada para representar a passagem da infância para a adolescência, da ingenuidade para o reconhecimento da existência da maldade.
Essa oposição de perspectivas marca presença na abertura do filme. A realidade estabelece o tempo e o espaço da narrativa (Espanha, 1944, quando forças rebeldes lutavam contra a ditadura franquista). Uma voz em off narra um conto de fadas sobre uma princesa aguardada para retornar ao seu reino. Tais visões convergem na chegada da protagonista Ofélia (Ivana Baquero) a um quartel militar na floresta, onde a sua mãe, nos últimos meses de gravidez, se reunirá com seu novo marido, o Capitão Vidal (Sergi López).
Ofélia, de 11 anos, ama ler contos de fadas. Sua imaginação a faz enxergar um loua-a-deus como se fosse uma fadinha, que a guia até um labirinto de pedra no terreno do quartel. À noite, ela visita esse local e encontra um Fauno, que confirma que ela é a princesa aguardada. Porém, precisa passar por três desafios para assumir seu antigo posto. O percurso abre a possibilidade de o filme apresentar lugares e criaturas extraordinárias, como o sapo gigante, e o monstro pálido que enxerga através de olhos nas mãos (a sequência mais marcante do longa).
Enquanto isso, o Capitão Vidal revela o quanto é cruel. Executa dois agricultores sem motivo e aperta o cerco contra um grupo de rebeldes locais. Diante da gravidez de alto risco da esposa, ordena que priorizem a criança, pois o que realmente importa para ele é ter um herdeiro. Além disso, sendo um zeloso militar da ditadura, não hesita em torturar e matar os prisioneiros que captura.
Obedecer por obedecer
Acima de todos os temas, o filme enfatiza o que está compreendido no seguinte diálogo entre o médico, colaborador dos rebeldes, e o capitão:
Capitão – Você poderia ter me obedecido.
Médico – Obedecer só por obedecer, sem questionar, é algo que só pessoas como você fazem.
Enquanto isso fica evidente como crítica direta aos militares que cometeram atrocidades a mando do ditador Franco, a ressonância na protagonista está na quebra da sua inocência. Primeiramente, a mãe joga na cara dela que é tolice acreditar que uma raiz de mandrágora poderia ajudar a saúde do bebê. E que ela deve amadurecer, pois o mundo não é um conto de fadas. Depois, talvez já refletindo sobre essa frase, Ofélia cai em si e percebe que não deve entregar seu irmão recém-nascido ao Fauno, como este lhe pede, alegando que assim ela poderá ser uma princesa. Em outras palavras, ela não vai obedecer só por obedecer.
O Labirinto do Fauno, assim, amarra o real e o fantástico numa trama bem escrita e filmada com toques de capricho. Por exemplo, as cenas paralelas de Ofélia caminhando na floresta e do pelotão franquista em lugar próximo ganham uma dimensão diferenciada com as transições por trás de troncos de árvores – recurso que ainda se harmoniza com a ideia das duas perspectivas que formam o centro dessa obra-prima de Guillermo del Toro.
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Ficha técnica:
O Labirinto do Fauno | El Laberinto del Fauno | 2006 | 118 min. | México, Espanha | Direção: Guillermo del Toro | Roteiro: Guillermo del Toro | Elenco: Ivana Baquero, Ariadna Gil, Sergi López, Maribel Verdú, Doug Jones, Álex Angulo, Manolo Solo, César Vea, Roger Casamajor.