Nanni Moretti usa O Melhor Está Por Vir, seu novo filme, como desabafo contra tudo que o incomoda na produção cinematográfica atual. Sua visão, como cineasta e ator, faz coro com a opinião de muitos cinéfilos. Além disso, a forma que ele utiliza convida a essa comunhão de interesses.
O cinema está em toda parte em O Melhor Está Por Vir. Além da própria experiência do espectador na sala de exibição, a trama é sobre Giovanni (interpretado pelo próprio Nanni Moretti), um diretor experiente em meio às filmagens de seu novo longa. O enredo antecipa para o espectador que sua esposa Paola (Margherita Buy), que é produtora (inclusive desse novo filme), está decidida a se separar dele. Também na faceta pessoal, outra novidade, esta em tom cômico, envolve o namoro da filha de uns 20 anos com o embaixador polonês de uns 60.
Cinema com idealismo
Mas é no âmbito profissional de Giovanni que o filme tem seus melhores momentos. O personagem é um diretor das antigas, que ainda vê sua profissão como uma atividade artística. Por isso, entra em choque constantemente com a atriz principal do seu filme que insiste em transformar sua trama política em uma história de amor. O problema é que, de tão envolvido que está na realização do filme, Giovanni não vê o evidente amor que surge nos bastidores.
Mesmo quando a produção para porque um dos financiadores não consegue bancar o orçamento, ele não se curva aos executivos da Netflix que exigem mudanças radicais no filme. A empresa de streaming, citada literalmente, é um dos alvos principais das críticas do cineasta Nanni Moretti. Em uma cena hilária, os executivos relacionam todos os pontos negativos da produção de Giovanni, segundo os critérios comerciais da empresa, que se vangloria repetidamente de estar presente em 190 países. Sem sutilezas, Moretti aponta a Netflix como um estúdio que privilegia a audiência em detrimento da arte do cinema. Para ela, todos os filmes devem seguir uma fórmula de sucesso.
E Giovanni é um idealista. Por isso, não se contém diante de um diretor jovem que pretende filmar um assassinato sem refletir profundamente sobre a cena. Giovanni interrompe a tomada, traz especialistas para comentar sobre o assunto (lembrando Woody Allen em Noivo Neurótico, Noiva Nervosa [Annie Hall, 1977]). A sequência beira o absurdo, ou é absurda mesmo, e, por isso, surpreende. Essa sensação se repete em outros momentos, e o toque especial consiste na relação com outras obras cinematográficas, como nesse trecho que expusemos.
Por dias melhores
Assim, Moretti recheia seu filme com referências, algumas explícitas e outras escondidas. Fellini aparece no circo dentro da produção que estão rodando, e no filme (A Doce Vida [La Dolce Vita, 1960]) que a versão jovem de Giovanni e Paola assistem no cinema. Mais marcantes ainda são os inesperados trechos musicais, quando Giovanni e outros personagens começam de repente a cantar e/ou dançar, de forma desajeitada. Lembram Amores Parisienses (On Connaît la Chanson, 1997), de Alain Resnais, e ressaltam o tipo de cinema autoral que Nanni Moretti e os cinéfilos querem resgatar. O filme reúne esses dois interessados em busca de melhores dias para a sétima arte.
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Ficha técnica:
O Melhor Está Por Vir | Il sol dell’avvenire | 2023 | 95 min | Direção: Nanni Moretti | Roteiro: Nanni Moretti, Francesca Marciano, Federica Pontremoli, Valia Santella | Elenco: Nanni Moretti, Marguerita Buy, Mathieu Amalric, Silvio Orlando, Barbara Bobulova, Valentina Romani, Flavio Furno, Zsolt Anger.
Distribuição: Pandora Filmes.