O Pacto rende uma experiência enriquecedora para quem se lembra de Entre Dois Amores (Out of Africa, 1985), que relata os anos que a escritora Karen Blixten passa no Quênia. Essa experiência lhe serviu de material para sua vitoriosa carreira literária, desenvolvida após seu retorno à Dinamarca, país onde nasceu. Pois o filme de Bille August retoma a vida da escritora já consagrada, aos 63 anos.
Há uma diferença crucial em relação à imagem de Karen Blixen nessas duas obras. Afinal, Entre Dois Amores se baseia, essencialmente, nos escritos dela própria, enquanto O Pacto, no romance de Thorkild Bjørnvig, no qual o autor revela sua breve convivência com Blixen. Assim, a Blixen do filme de Pollack é quase uma heroína, uma mulher corajosa, destemida, ávida por experiências e ainda uma defensora dos direitos dos índios. Enquanto isso, no filme de Blixen ela é uma manipuladora, movida pela sua crença de que todos devem ter a coragem de experimentar uma vida aventureira.
Eu o protegerei
Em O Pacto, o jovem escritor Thorkild Bjørnvig (Simon Bennebjerg) se entusiasma quando recebe um convite para conversar com Karen Blixen (Birthe Neumann). No encontro, os dois fazem um pacto. Ela se compromete a protegê-lo, e ele deve confiar nela. Segundo a escritora, Thorkild deve se esforçar para se tornar o artista que nasceu para ser. “Tenha fé em mim e eu o protegerei.”, diz ela, dissimuladamente. Parece uma versão de “Fausto”, mas aqui a vítima percebe a cilada antes de destruir sua vida. Mas, no início, Blixen consegue convencê-lo a ficar longe de sua esposa e de seu filho ainda bebê, e se hospedar por duas semanas na casa dela. A intenção é isolá-lo das distrações para que possa escrever. A prometida mentoria é escassa, apenas uma hora por dia durante o jantar.
Por outro lado, Blixen manipula a situação para que Thorkild viva experiências que servirão de material para sua obra, tal como significou a África para ela. Para isso, aproxima-o de Benedicte Jensen (Asta Kamma August, filha do diretor), a esposa de um amigo aristocrata da baronesa Blixen. Estranhamente, o filme opta por inserir nuances místicos nessa trama, como se Blixen fosse uma espécie de bruxa. Assim, a vemos sentindo que Thorkild cedeu às tentações de Benedicte pela expressão de Blixen, mesmo estando centenas de quilômetros distantes entre si. É um dos pontos que não funcionam no longa, esse tom de mistério que tenta anuviar a persona de Blixen. E que destoa do visual claro predominante no filme, que evidencia a personalidade perturbada da escritora.
Desmistificação
O melodrama impera, sem que a tensão emocional se desenvolva. Não temos picos dramáticos que possam nos levar a torcer pela salvação do jovem escritor, apesar de essa ser uma evidente intenção. Nesse mar de emoções atenuadas, destaca-se, pelo menos, a cena em que, simbolicamente, o amor vence o ódio, quando Thorkild sela um beijo de despedida na boca de Blixen, que empunha uma arma.
Enfim, o mérito de O Pacto está na desmistificação da imagem que Karen Blixen criou de si mesma, para o público, em sua obra. Como ela mesmo escreveu, era nisso que ela acreditava, na aparência antes da essência: “Devo conhecê-lo não por seu rosto, mas por sua máscara.”, afirmou. E Thorkild, era, essencialmente, uma pessoa boa. Pelo menos, de acordo com seu próprio livro.
Por fim, vale ainda apontar que O Pacto reforça a impressão de que o diretor Bille August nunca mais atingiu o nível de seus filmes iniciais. Ainda é acima da média, mas abaixo de Pelle, o Conquistador (Pelle erobreren, 1987) e As Melhores Intenções (Den goda viljan, 1992), suas obras primas.
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Ficha técnica:
O Pacto | Pagten | 2021 | 115 min | Dinamarca | Direção: Bille August | Roteiro: Christian Torpe | Elenco: Birthe Neumann, Simon Bennebjerg, Nanna Skaarup Voss, Asta Kamma August, Anders Heinrichsen, Marie Mondrup, Kurt Dreyer.
Distribuição: A2 Filmes.