O Planeta dos Macacos (Planet of the Apes) é um dos melhores filmes de ficção científica de todos os tempos. A sua revisão, hoje, ressalta o sci-fi, pois esse longa prioriza as questões sobre o futuro da humanidade, bem como remete a temas através de metáforas, seguindo, assim, os cânones desse gênero do cinema. Tal constatação se faz necessária diante das suas quatro continuações e das séries televisivas (em live action e animação) nos anos 1970, da refilmagem de Tim Burton de 2001, e da nova sequência de filmes iniciada em 2011, já que estas todas colocavam a ação em primeiro lugar (exceto pela versão de Burton, a rever).
A fonte para o desenvolvimento do roteiro é o livro do escritor francês Pierre Boulle, o mesmo autor de “A Ponte sobre o Rio Kwai”. Michael Wilson, um dos roteiristas que transformou essa obra no filme de David Lean de 1957, escreveu o roteiro de O Planeta dos Macacos, ao lado de Rod Serling, que criou a série Além da Imaginação (The Twilight Zone). Aliás, a presença de Serling nesse projeto fornece a pegada contemporânea do seriado de enorme sucesso. Além disso, faz todo o sentido, pois os contos da série traziam tramas com uma surpreendente revelação ao final, como acontece nesse longa-metragem.
A trama
Na trama, uma nave espacial com quatro tripulantes alcança um ponto no universo onde o tempo corre mais devagar em relação ao tempo na Terra. No ano 3978 AD, após uma hibernação que deu errado, e que matou a única tripulante feminina a bordo, a nave cai em um planeta onde os símios são os seres inteligentes e os humanos vivem como selvagens sem o conhecimento da fala. Os macacos capturam o astronauta George Taylor (Charlton Heston), que logo se torna objeto de interesse da cientista chimpanzé Zira (Kim Hunter). Ao lado do seu noivo, Cornelius (Roddy McDowall), ela tenta revelar que Taylor é um humano desenvolvido. Porém, o seu chefe Dr. Zaius (Maurice Evans) tem motivos para evitar que essas pesquisas progridam. Com isso, Taylor, Zira e Cornelius precisam fugir.
Temas
O filme toca em três temas que continuam, ainda hoje, primordiais. Um deles, o mais aparente, é o tratamento cruel dos animais. Ao apresentar a caçada aos humanos, o aprisionamento, o laboratório onde homens são cobaias de experimentos científicos, e até um museu com pessoas empalhadas, há uma contundência vigorosa do que a humanidade pratica com animais. Aqui, os humanos sentem na pele como seria ficar no lugar deles.
O outro tema, este mais figurativo, é a questão racial. Novamente, a caçada aos humanos e, também, a reação dos símios quando encontram Taylor na cidade, deixam evidências do histórico de escravos negros capturados no continente africano e levados para a América, submetidos a tratamento sub-humano e vistos com preconceito. Além disso, vislumbra-se aqui as diferenças entre as várias espécies de símios, mas isso ganhará mais força nos filmes seguintes.
Por fim, o tema abordado de forma mais chocante, na icônica conclusão do filme, é o da preservação do planeta. O enredo revela que a humanidade destruiu a Terra, principalmente com uma bomba nuclear, já que a Guerra Fria era um dos maiores temores daquela época. Mas, extensivamente, a mensagem vai também para a devastação dos recursos naturais, condenando a um futuro no qual o deserto predomina.
A narrativa
Enfim, o que eleva O Planeta dos Macacos a um patamar de excelência está no como colocar esses temas dentro da narrativa. A primeira metade, a que mais se concentra na ficção científica, estabelece a situação em que se encontram os personagens. Por isso, o ritmo parece cadenciado, proporcionando o tempo necessário para todas as explicações sobre a missão. Adicionalmente, sugerindo pistas que convencem o espectador a seguir as mesmas conjecturas dos astronautas nesse planeta desconhecido.
Mas o público tem uma expectativa adicional. Afinal, o próprio título anuncia que esse é um planeta de macacos. E o filme trabalha em camadas de revelações surpreendentes, cada vez desvendando um pouco mais sobre esse lugar misterioso, até a bombástica conclusão. Assim, logo causa espanto vermos a primeira delas: os humanos do planeta não são evoluídos, são como se pertencessem ainda à era pré-histórica. A outra revelação vem, literalmente, a cavalo. Na primeira grande cena de ação, gorilas com roupas cavalgam caçando selvagemente os humanos. Daí em frente, o filme traz vários elementos do nosso cotidiano transpostos para a dominância dos macacos. Por exemplo, os laboratórios, o museu, o tribunal etc.
Explicação sobre o final
A menos que você não conheça a Estátua da Liberdade de Nova York, o final é autoexplicativo. O monumento, enterrado nas areias de uma praia, indica que o mundo tal qual o conhecemos foi destruído. Por isso, Taylor se desespera e protesta contra a humanidade. Confirmando os piores prognósticos, os humanos puseram fim à sua existência e ao planeta. Foi uma bomba nuclear ou uma gradativa destruição? Provavelmente, os realizadores pensaram na bomba, mas cabe também a deterioração gradual que teria transformado boa parte da Terra em deserto.
Ou seja, um novo ciclo evolutivo se iniciou quase a partir do zero. Mas, desta vez, os macacos é que evoluíram e os humanos permaneceram selvagens. No estágio em que Taylor os encontra, eles não dominam a tecnologia que os humanos possuíam quando ele partiu em sua missão. O Dr. Zaius tenta a todo custo evitar que descubram o que aconteceu na origem. Mais do que ocultar que os humanos uma vez foram os dominantes, sua intenção pode ser de frear essa tecnologia que levou à destruição.
A produção
Planeta dos Macacos é uma ficção-científica classe A. Além de contar com atores de peso, o filme apresenta revolucionárias maquiagens que permitem percebermos as expressões dos macacos. E, até, reconhecermos os atores que vivem esses papeis. Os cenários, então, desfilam uma criativa versão mais rústica de uma comunidade que está evoluída socialmente, mas não na tecnologia, talvez equivalente à época áurea dos gregos antes da era cristã.
À primeira vista, Planeta dos Macacos dá a impressão de ser uma aventura, até juvenil, por conta do título e da própria ideia de conflito entre macacos e humanos. Ledo engano, pois se trata de um filme com mensagens sérias, realizada por Franklin J. Schaffner, que venceria o Oscar de melhor diretor por seu trabalho seguinte, Patton (1970). E que ainda faria Papillon (1973) e Meninos do Brasil (The Boys From Brazil, 1978), ou seja, um cineasta de obras profundas. Mas, o lançamento de Planeta dos Macacos aconteceu no mesmo ano em que 2001: Uma Odisséia no Espaço (2001: A Space Odyssey, 1968), de Stanley Kubrick, chegou aos cinemas. Até pelos diferentes resultados na bilheteria, já que o filme de Schaffner foi um enorme sucesso e o de Kubrick não, este acabou roubando o título de ficção científica séria da temporada.
Para quem ainda não descobriu esse clássico, fica a dica. E quem já viu, mas na cópia cortada que era exibida nas televisões abertas, não deve deixar de rever a versão completa disponível em DVD e agora no streaming.
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Ficha técnica:
O Planeta dos Macacos | Planet of the Apes | 1968 | EUA | 112 min | Direção: Franklin J. Schaffner | Roteiro: Rod Serling, Michael Wilson | Elenco: Charlton Heston, Roddy McDowall, Kim Hunter, Maurice Evans, James Whitmore, James Daly, Linda Harrison, Robert Gunner, Jeff Burton.